Thursday, August 10, 2017

Sustentei o olhar, com tanta raiva e revolta



Jamais esquecerei da tarde em que o Dante quis andar solto, sem mãos dadas, pela Rua Visconde de Santa Isabel, aquela mesma em que morei e que começa de um jeito e termina tão outra (aqui). O trecho em questão era precisamente aquele defronte ao antigo zoológico, que é como todos se referem àquele espaço, nem Negrão de Lima deveria chamá-lo de Recanto do Trovador. A calçada é minúscula e a quantidade de carros e ônibus, afrontosa. E o Dante, ainda não sei por que, querendo andar desgarrado da minha mão. Chamaram-me outro dia de dramático, mas se digo aqui que era uma questão de vida ou morte, estou apenas narrando um acontecimento de maneira jornalística / científica. E ele, nervosíssimo, recusando-se a me dar a mão e eu, esgotadas palavras doces de persuasão, ralhando exasperado. Houve momento em que sentei-o em uns degraus que por lá havia. Ele sentou-se e eu também. Aí levantei os olhos e vi que duas mulheres, esperando para atravessar, me olhavam com os olhos mais críticos que então conseguiam ter. Eu entendi tudo. Eu sustentei o olhar, com tanta raiva e revolta, achando que poderia pular no pescoço de uma ou, menos, irromper numa torrente de palavrões, se ousassem dirigir críticas a mim. Eu estava exausto e frustrado e ali tive raiva delas. Mas também nesse momento dei-me conta de que podia muito bem ser uma dessas mulheres, olhando criticamente para o que julgam ser maus tratos. Tanto que já estive nesse lugar.

A moral da história poderia ser 'não julgue pelas aparências', mas isso é muito pouco.


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