Tuesday, August 29, 2017

(Giana e) O Primeiro Livro em Letão





Ouvi Giana num pocket show em São Domingos, parece que em São Domingos tudo cabe no bolso: praça, bar, show. O show foi ótimo e então conheci um amigo até então apenas virtual, o Paulo. Essas coisas.

Depois fui ouvi-la num show do Sleepwalker Sun no SESC, produção dos meus amigos Maria Ruch e Gustavo Paiva. Faltou luz, não teve show. Essas coisas.

Aí, agora, Giana veio aqui em casa. Tanta coisa ocorreu entre aquele show e esta visita. Ela trouxe uma caponata e um ceviche de coco divinos. Nós retribuímos com a nossa febre de thai. Ela trouxe um livrinho em letão para a coleção do Dante, que ela andou cantando pelos Bálticos. O pequeno florentino não se comportou nada bem, cheio das diatribes. E faltou luz. Giana precisava tirar o carro da garagem e não podia. Então o Dante, até então agitadíssimo, se aboletou no banco de trás do carro e se acalmou. Ah, seu maria-gasolina. Giana deixou rolar uma playlist toda Br-Rock- anos 80. E no meio tinha ela cantando Mutantes. Ficamos os quatro ouvindo. O ciclone lá fora.





Sunday, August 27, 2017

Crônicas Siamesas VIII ::: Aula de Culinária



Dizer que a aula de culinária thai foi destaque da viagem não é fazer justiça suficiente; dizer que doravante não se pensa em viagem sem uma aula de culinária talvez faça.

Conhecer um dos famosos shopping centers de Bangkok à nossa revelia para escapar da monsônica chuva, andar pelos bequinhos tão cheios de vida para enfim chegar à escola de culinária: que experiência.

Poder ouvir e falar (sim era professor que falava e ouvia) sobre uma de nossas cozinhas preferidas, fazer o molho de tamarindo com as mãos. Ver a riqueza dos temperos. A galanga, as cores do curry. Os cheiros e as facas. Esclarecer dúvidas e criar outras. Cozinhar e comer o que cozinhamos. O curry, o sticky rice com manga. A emoção de fazer o primeiro pad thai. Dentre outros.










Ai de ti, Copacabana (Ou Copacabana disparu)



Eu tinha uma pinimba danada com Copacabana, onde estudei e onde trabalhei por quase dez anos. Foi preciso todo um trabalho de arqueologia do olhar para que eu enxergasse onde antes  só via o bairro degredado de Rubem Braga, onde polvos habitavam os porões e as negras jamantas as lojas de decorações; e os meros se entocavam em galerias, desde Menescal até Alaska. 

Ainda assim, até recentemente o bairro possuía dois exemplares de Nilton Bravo, no Belmonte e no Beco da Fome. Ambos removidos. O que atualiza as palavras impacientes (para dizer o mínimo) do cronista ::


Antes de te perder eu agravarei tua demência — ai de ti, Copacabana! Os gentios de teus morros descerão uivando sobre ti, e os canhões de teu próprio Forte se voltarão contra teu corpo, e troarão; mas a água salgada levará milênios para lavar os teus pecados de um só verão.















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Tuesday, August 22, 2017

Depois do ciclone





Uma hora depois do ciclone de domingo estávamos Dante e eu na pracinha, devastada, sem luz e com muitos galhos caídos, alguns enormes. Não havia vivalma, escusado dizer.

O diabinho do ombro esquerdo sussurra bota 'the story of my life / the story of our lives' como legenda, o sujeito do outro ombro lembra que isso seria escorregar um pouco em autocomiseração.

Dou ouvido a ambos e por ora prefiro relacionar a foto àqueloutra célebre inglesa. Isso sim.

A trilha-sonora para esta postagem é, claro, "Bent cold sidewalk", a única música cantada do Tangerine Dream.

Mas poderia também ser "Half a Person", dos Smiths, exatos trinta anos. E tudo se encaixa, porque ela saiu na coletânea Louder than Bombs e a letra



Monday, August 21, 2017

Onde Deus se esconde



Deus se esconde em muitos buraquinhos e nem sempre é sisudo ou soturno. Encontrei-o há anos no terceiro movimento da quinta sinfonia do Shostakovich. O movimento todo é bonito em seus treze minutos, mas Deus mesmo só uns quarenta segundos (ou mais se nas mãos de Previn ou menos se nas de Karajan) lá pelo sétimo minuto.  

Curiosamente Deus é muito parecido em trecho da "Epitaph", do King Crimson. Dura 1 minuto.

O Velho Barbudo é radioso no quinto quarteto do Philip Glass. Não é o velho testamento aqui, tampouco o novo, é um ainda não escrito, ou que começou a sê-lo pelo Philip. Dura quase três minutos.

Tenho histórias interessantes com a quinta do Shostakovich. Fui assisti-la certa vez em Chicago, evento para o qual esperei com toda a ansiedade dos meus dezessete anos. Na hora H descobri que haviam mudado o programa e não iriam mais tocá-la. A mesmíssima coisa aconteceu alguns anos depois no nosso Municipal com uma orquestra russa: trocaram a quinta pela décima e só avisaram na hora mesmo quando ela iria começar. Só eu vaiei, do alto do poleiro, digo, galeria.

Se isso não é se esconder.







Thursday, August 17, 2017

Morre Drummond, há 30 anos

Amendoeira em frente ao prédio de Carlos, na Conselheiro Lafaiete


Estava de saída para o IBEU, naquela manhã de terça há exatos trinta anos, quando soube pela minha mãe que o Drummond morrera. Peguei uma sua antologia, a ótima Seleta da José Olympio, comentada pelo Gilberto Mendonça Teles (que escreveria a introdução do meu primeiro livro daqui a sete anos) e fui para o curso. Nada mais justo: eu recém chegara de Chicago, para onde levara apenas um livro: o Reunião. Então as coisas se encaixavam nesse agosto desencaixado: a professora perguntou se alguém tinha algo a dizer e eu falei da morte do Drummond, abri o livro e li "Os ombros suportam o mundo". Todo mundo aplaudiu e eu inflei como um baiacu. Mas o Drummond, morto.

Na volta esqueci de pegar o troco com o trocador do 422 e de novo me enchi de orgulho: deve ser por causa da morte do Drummond.

Soneto de maio

(Vinícius; Rio de Janeiro , 1957)

Suavemente Maio se insinua
Por entre os véus de Abril, o mês cruel
E lava o ar de anil, alegra a rua
Alumbra os astros e aproxima o céu.

Até a lua, a casta e branca lua
Esquecido o pudor, baixa o dossel
E em seu leito de plumas fica nua
A destilar seu luminoso mel.

Raia a aurora tão tímida e tão frágil
Que através do seu corpo transparente
Dir-se-ia poder-se ver o rosto

Carregado de inveja e de presságio
Dos irmãos Junho e Julho, friamente
Preparando as catástrofes de Agosto...

Ouro Preto, maio de 1967 
Café e Bar Outeiral, esquina da Conselheiro Lafaiete, onde Carlos tomou pingados

Drummond curtiu o post do Bandeira (Ou Facebook circa 1956)




Drummond curtiu o post do Bandeira
elogiando-lhe a décima edição
a timeline de Manu ficou faceira
com a visita do amigo esquisitão

Stalkeando tudo, mira e vê
o mineiro que atende por João
De livro novo, fica bem frustrado
quase ninguém deu like no sertão

Sorte mesmo parece ter o Mário
De tudo à parte, em meditação
sobre o Tietê onde mergulha fundo
há dez anos virou constelação


PS: A amiga Cristiane Brasileiro, sabe-tudo de Mário, disse-me que ele "seria o  mais badalativo. Criaria muitos grupos no fc. Ficaria com LER de tanto digitar. Só iria onde tivesse wifi. Etc". Por isso mesmo, Cris, por isso mesmo: sorte dele já ter se encantado em 1956.


Wednesday, August 16, 2017

Crônicas Siamesas VII ::: A Culinária Lanna



Inventei-me uma dica de viagem que proíbe excessos no dia do retorno. Excessos gastronômicos. Nada de experimentar aquele prato, aquele tempero, aquela bebida, tantos aqueles. Há alguns anos, em minha última noite em Goa, neguei-me buuzes e boortsog mongólicos porque no dia seguinte voltaria para casa.

Dica sábia que joguei solenemente às favas quando, em Chiang Mai, fomos ao Tong Tem Toh, restaurante popular especializado na culinária lanna, toda ela do norte, das montanhas, das tribos, de todo diversa da que se come em Bangkok e que é, claro, a que se reproduz como a única tailandesa.

Mandei às favas quando pedi meu porco fermentado com ovos acompanhado de uma salada de ovas de formiga. Camila encarou um curry de cogumelos. E olha que a viagem pela frente era da bagatela de 36 horas de estrada, de mãos dadas pelas nuvens, do Reino de Lanna ao Grajaú, onde tanta tamarindeira cresce.

Que porquinho maravilhoso e esquisito. Que cogumelos indômitos. Que formigas crocantes.






Soneto para Três Gatos Mortos

Isolda, fim de 2016


Este ano morreram-me três gatos
e nada lembra mais o fim de tudo
Morreu Garfunkel, gato da Camila
se tivesse vivido um dia apenas

teria sido feliz, sem tantas penas
teve no dorso os dedos da Camila
Morreu o velho Schin, gato da mãe
velhinho hipócrita intratável farsante

de seus não poucos momentos de cólera
não escapava nem sequer o Dante
Morreu também Isolda, sempre doce

rainha de uma Pérsia inexistente.
Morreram-me três gatos, penso absorto
e nada lembra mais o fim de tudo

que um gato morto

Tuesday, August 15, 2017

Crônicas Siamesas VI ::: Whiskey Thai



 

Não entendo o porquê de os tailandeses chamarem de whiskey o destilado feito de melaço que deveria naturalmente atender por rum. Reparem que na garrafa vem escrito rum, decerto por pressão internacional, acordos de exportação essas coisas. Mas no cardápio de hotéis e restaurantes continuam chamando de whiskey, provavelmente palavra de maior status.

Na Índia era a mesma coisa. Faziam (e fazem) milhões de hectolitros de "whiskey" de melaço, que a comunidade highbrow escocesa desprezava ou no máximo olhava com impaciência, como um monge observa adolescentes buliçosos voltando para casa de ônibus. Levou tempo até que a Índia viesse com um Amrut (aqui), a quem os monges escoceses são forçados a pagar respeito.

Na Tailândia não sei se há de fato whiskey de verdade. Pedi esse SangSom em nosso primeiro restaurante em Chiang Mai. Pedi uma dose e, para nossa surpresa, depois deixaram o resto da garrafa na mesa, como cortesia. Não precisava. Bebi com esforço, por puro amor à antropologia e à etnoculinária. Soube depois que deveria ter diluído em muita soda e gelo, o que seria um bom acompanhamento para o tempero dos curries. Não sei. Achei mais prudente voltar às pilsens.

(Ah, mas justo ali, relativamente próximo a Chiang Mai, já se produz vinho. De que falarei depois)

Monday, August 14, 2017

Crônicas Siamesas V : Entre as Kayan



Não sem hesitação fomos visitar as Kayan, a quem tolamente se referem como mulheres-girafas ou long-neck, termos pejorativos e por óbvio não endossados pelas próprias. Kayan é o que são, um subgrupo dos Karen (ou Karenis) vermelhos. Originárias de Mianmar, vivem no norte da Tailândia com o status de refugiadas. O que não queríamos era cair num zoológico humano, com turistas predadores avidamente enfiando suas câmeras goela abaixo dos colares dourados. E, de fato, há "zoológicos" assim, em que, num mesmo local, pode-se conhecer cinco grupos étnicos diferentes. Exatamente o que não queríamos. A visita que fizemos, não sem hesitação, esteve dentro dos princípios da ética e razoabilidade. Foi, mais ou menos, como visitar, aqui no Brasil, uma comunidade indígena ou quilombola. As mulheres estão ali com suas crianças vendendo seus artesanatos (praticamente o mesmo em todas as tendas, algo que percebi também no recente encontro de comunidades indígenas no Parque Lage). Vimos apenas um homem, que tocava uma espécie de rabeca. Só fizemos fotos com aquelas com quem interagimos minimamente e de quem compramos artesanato. Apesar de rápida, a experiência foi maravilhosa e já planejamos novos encontros.

Não sem hesitação, eu sonhava com uma foto da Camila rindo com uma Kayan, cheguei a sonhar com esta foto, em pb, na nossa sala. E logo na primeira tenda em quem paramos, Camila foi de tal modo conquistada pela Kayan e a conquistou de tal modo, que aconteceu.

Foi aquilo que Saramago tão lindamente descreveu no Memorial:

'Mal se conhecem e têm tanto para dizer, é a grande, interminável conversa das mulheres, parece coisa nenhuma, isto pensam os homens, nem eles imaginam que esta conversa é que segura o mundo na sua órbita, não fosse falarem as mulheres umas com as outras. Já os homens teriam perdido o sentido da casa e do planeta'.