Friday, July 21, 2017

O Livro dos Pratos da Boa Lembrança : Coleção que Fassina



Natural que um livro desses já tenha seus efeitos encantatórios. É um livro, algo que já amo, sobre algo que amo. Coisa como livro sobre azulejos, rock progressivo, Vasco. E o livro, quase que não podia deixar de ser, é belíssimo. Tomei conhecimento dele no Dia dos Namorados, quando fomos, Pampi e eu, conhecer aquela tapioca roxa do Navegador. Expunham-no à entrada. Fiquei coçando. Voltei, pesquisei, comprei. Trata-se da maior coleção de pratos da boa lembrança de que se tem notícia, a coleção de Anesio Fassina. O livro, generoso, nos fala da coleção, do colecionador, e depois traz muitos dos pratos, com fotos e receitas e informações. Para ler na mesa. No final, fotos de todos os pratos.

Tenho um pensamento diferente do Anesio em relação à coleção. Respeito grande a coleção dele, claro, ou nem faria esta postagem, mas para mim, para a minha modestíssima coleção, quero apenas pratos dos restaurantes em que fui, cujos pratos comi. E que sejam de lembrança boa! Tanto que os da minha pregressa vida, eu imerso em um relacionamento abusivo, estão aqui empacotados. À venda. Precinho de banana.






Thursday, July 20, 2017

Porquinho Jurado




Este ano rolou aqui em casa um polvo no whisky que redundou em fracasso, não deu liga, um pálido arremedo de um que comi no Nanquim há alguns anos.

A ideia de acertar uma receita com whisky me perseguia -- assunto, diga-se de antemão, ainda pouco explorado: uma das bíblias sobre a bebida: Whisky - The Definitive World Guide, do Michael Jackson, dedica apenas duas, de suas quase 300 páginas, ao assunto. De modo que ontem, primeira quarta-feira das férias, com muito frio e chuva, mandamos um lombinho para a panela de pressão. Para além dos temperos cotidianos, leite de coco, chakalaka e, claro, whisky.

Ficou simplesmente divino. Comemos de garfo por bons modos, mas poderíamos ter usado a colher, tal a maciez. A questão aqui é acertar a quantidade: se muito, toma de assalto, estraga a comida. Se pouco, pra que botar? Colocamos um pouco no começo e outro pouco já mais para o final. Se depois desta segunda, a cozinha ficou rescendendo ao nobre líquido, o resultado final revelou-se harmonioso, mais do que prevíamos até.

Qual whisky? Bem, qualquer um com muita turfa colocaria tudo a perder, de modo que já cortei as ilhas, principalmente Islay. Usamos o Jura (sobre o qual eu já escrevera aqui). Curioso que Jura é uma ilha, separada da Escócia continente por um pequeno estreito (a que chamam de sound), mas sua produção em nada lembra o usual, tanto que é chamado de "highland das ilhas". A edição Jura Superstition é exceção, tendo algum sal na boca e no nariz (mas nada de turfa ou fumaça).

Entusiasmados (en-theos), servimos com um arroz com fruta-do-conde e pimentões assados. Como fizemos muito, sobrou para a tapioca do lanche.


Wednesday, July 19, 2017

Nasci no país errado

Grafite de Tito Serrano no Rio Comprido


Nada incomum este sentimento de que nascemos no país errado, que ora reencontro cristalino em poema do português Rui Almeida (n. 1972):

Aos quarenta e tal damo-nos conta
De que nascemos no país errado

É lícito o sentimento, acho mesmo que o poema, do seu recente Talvez a Dúvida, em que todos os poemas são apresentados em quatro estrofes de cinco versos cada, ilustra muito bem o que sinto / sentimos no Brasil de hoje.

Mas admito que aqueles que de mim discordam frontalmente, um bolsomerda por exemplo, tenha / tenha tido pensamentos semelhantes, por ocasião de certo 26 de outubro de 2014, a título de exemplo.

Muitos se apegam a uma mítica Escandinávia e gostam de citar, sem conhecer, Suécia, Noruega, Finlândia.

Então basta lembrar que Thorkild Hansen, por ocasião de todo o affair Knut Hamsun, declarou: "Se você quer conhecer idiotas, vai pra Noruega". Então.

Aos quarenta e tal damo-nos conta
De que nascemos no país errado,
Numa margem mais fria do que a nossa
Capacidade de sentir. A meio
Da vida, ou do que ela possa ser,

Damos por nós atentos ao que se passa
Por esse mundo fora, usamos o
Sentido crítico, temos opinião
Sobre um pouco de tudo e arrumamos
Pedaço a pedaço em aproximações

Discretas a decassílabos. De
Nada nos vale a força e o trabalho
Com que limpamos a casa onde moramos
Se o que dizemos se repete vezes
Sem conta em tom monocórdico e sombrio,

Se a nossa voz se cansa de tanto arderem
Florestas de árvores secas. Gota
A gota, as cisternas se esvaziam e
Os medos se transformam nesta chuva
A cair espaçadamente sobre nós.
 

Tuesday, July 18, 2017

soneto



só a bailarina que não tem, já
o sabemos
por isso não as quero
às bailarinas
e suas calcinhas novas
porque o punctum desta foto
está na marquinha da vacina
que fez com que chegasses até a mim
que fará com que cheguemos sabe-se lá
talvez Khum Srán
a marquinha da vacina nesta tarde chuvosa
                                    which i will
again and again and again
kiss


Macaquinhos no sótão



Das 57 vezes em que assisti ao The Wall, as dez primeiras foram no cinema. No meio daquele julgamento angustiante do final, aparecia a legenda "Macaquinhos no sótão", o que, dado o insólito da parada, desanuviava um pouco o ríctus garatujado em nossas faces. Que loucura era aquela?, depois nos perguntávamos.

Crazy
Toys in the attic, I am crazy
Truly gone fishing
They must have taken my marbles away
Crazy, toys in the attic he is crazy


A tradução é perfeita para o inglês "toys in the attic", sendo que o sótão aqui, claro, é a parte superior do corpo, isto é, a cabeça, de modo que a expressão se equivale a "uma telha de menos", "um parafuso solto". O inglês viu "brinquedos", ao passo que o português preferiu "macaquinhos", um e outro transmitindo a ideia de bagunça. A tradução é perfeita, pois, embora ninguém mais a use em português, se é que algum dia alguém usou. A propósito, gone fishing e lose one's marbles da letra só reforçam a ideia.

O poeta pernambucano Mauro Mota a registra em seu ótimo Os Bichos na Fala da Gente, de 1969: tem macaco no sótão: tem perturbações mentais.

Ao lado de sótão, existe também em português a palavra... ático! Que é o que dizem ser o do Solar dos Abacaxis, aquela coisa linda no Cosme Velho.

PS: O Aerosmith tem um disco chamado Toys in the Attic. Eu tinha, nunca achei grande coisa. Acabei de saber que é considerado um clássico do rock. Plé. Que doideira é essa? Macaquinhos no sótão.

PS 2: Na tradução do vídeo que ora posto jogaram fora os macaquinhos. Traduziram "macaquinhos no sótão" por "meu Deus do céu". God.










Fruta-do-Conde e Paráfrase de Aldir Blanc



Nos almoços pra lá de ordinários na casa da minha avó, houve aqueles com fruta-do-conde para sobremesa, para além da laranja lima, e minha mãe pegaria uma e diria "Adoro fruta-do-conde, era a fruta preferida do meu pai".

Isso nos ouvidos de um garoto ganha aura mítica: a fruta do conde se investe de dons quase cabalísticos, os mortos se enriquecem, pois tinham preferências a que devemos render preitos.

Meu avô não era nada disso (aqui e aqui). Era um cara difícil, isso sim, manipulador ao extremo, pianista, compositor, leitor de Dante, cardíaco. Já a fruta-do-conde terá sempre esse nome para mim.

Há muitos anos, estávamos eu e Bao em Garanhuns, terra de Lula, quando avistamos um ambulante vendendo a fruta. Começamos a discussão: Fruta-do-conde! Ata! Fruta-do-conde! Ata!. Fomos perguntar ao vendedor e o que ele respondesse daria fim à contenda. Acontece que era ele fanho, muito fanho, e quando perguntamos ele nos respondeu algo de todo incompreensível, o que não nos impediu, ao Bao e a mim, de virarmos para o outro e proclamarmos triunfantes: "Viu?! Não falei?!"

É uma história, na hora teve graça. Hoje na feira do Grajaú chamam-na de "pinha". Pinha é o cacete. Para mim, e aqui entra o Aldir Blanc, será sempre fruta-do-conde, pois minha mãe assim a chamava ao fim dos almoços na minha avó. Os que insistirem com 'ata' ou 'pinha' podem, em fila indiana, ir à merda.





PS: Tudo brincadeira, eu adoro variação. Não tenho paciência é para quem não gosta. Mas que é fruta-do-conde, é.

Sunday, July 16, 2017

Essas as mocinhas do grafite



são essas as mocinhas do grafite
eu o digo em perfeito decassílabo





Nos 30 Anos do Título do Sport de Recife


 Com exceção do Íbis, não nutro simpatia por nenhum time rubro-negro, seja o Milan seja o Moto Clube. Em 1979, no dente-de-leite do São José defendi as cores do Campinense, as cores rubro-negras do time de Campina Grande. Beque de roça, defendi o melhor que pude, e menos pelos meus chutes para onde o nariz apontasse e mais pelo talento do atacante Paulinho, fomos vice-campeões. O inferno é que em dia de jogo eu saía de casa uniformizado e tinha que ouvir "Aí, Mengão!" pelo caminho, ao que invariavelmente eu respondia com um "Vai tomar no cu, seu burro, isso aqui é Campinense!", porque eu era muito desbocado com 10, 11 anos.

Com o Sport de Recife é diferente. Embora meus times em Pernambuco oficialmente sejam o Náutico, atualmente na lanterna da série B, e o time feminino dos índios fulni-ô, pelo qual até disputei uma partida, com o Sport de Recife é diferente.

Esta camisa é a mais recente aquisição da coleção. As cores clássicas restringem-se ao escudo, quase ofuscadas pelo amarelo sol do leão. O resto é o belo de um dourado para comemorar os trinta anos do título brasileiro de 1987, a primeira vez que um time do Nordeste levava o caneco de modo incontestável.

Aliás, e que trinca de ouro: no ano seguinte outro time nordestino, o Bahia, repetia o feito. E em 89, o Vasco superava o São Paulo em pleno Morumbi, com a galera guerreira gritando "Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula" e abafando o "Collor" dos são-paulinos.



Saturday, July 15, 2017

De um modo que os outros podem apenas sonhar



Dante e eu temos momentos de grande incompreensão entre nós, com ambos caindo para os lados frustrados e exaustos. Mas temos também, perdoem-me se soo pretensioso, e aqui cito o que Alvarez diz a Sylvia Plath no filme Sylvia, acerca da relação dela com Ted Hughes: "You understand each other in ways that, that other people can only dream about".

Foi na tarde de quarta-feira, eu frustrado e exausto, ele não sei. Ele em cima da mesa. Eu fui beber água. Eu sabia que ele me observava. Quando virei o rosto, ele estava com o sorriso mais lindo do mundo.

O sorriso mais lindo do mundo, ali para mim, porque eu bebia água.

A trilha-sonora é "Dry bones in the valley", do John Fahey, em especial os três minutos finais.

Dry bones in the valley I saw the light come shining round and round 







"Epiléptico", de David B.



Não tenho o hábito de ler histórias em quadrinho, livros de histórias em quadrinho para adultos, não tenho o hábito porque não me interessam. Mas encontrar livro de nome Epiléptico no sebo maravilhoso do Catete, livro lacrado a 10 reais, e justo na época em que o Dante volta a fazer crises, periféricas, é mesmo convite irresistível.

O livro é lindo. Estou agora escrevendo sob o impacto dele, angustiado. Obra espantosamente criativa. Mágica e realista. Dolorosa e inefável. Me fez enxergar e reenxergar tantas coisas.






Rancor, Sarcasmo, Remorso, Calúnia, Inocência



Lançamentos da mineira Krug, que eles chamam de "linha expressionista". São sete, encontrei cinco no mercado. A apresentação é impecável.

A Submissão e a Pretensão são as que ficaram faltando, o que é curioso, porque esta última deveria ser a mais fácil de encontrar por aí. A Remorso comprei só por completismo, pois não gosto de stouts e muito menos de imperial stouts, esses desequilíbrios. A Sarcasmo é fraca, a Calúnia é regular / boazinha, a Rancor é ótima e a Inocência, uma tripel com 8%, a melhor da turma.

A Rancor é uma IPA e como sou louco por IPAs, acho melhor não guardar mesmo. (Bem, só para efeito de trocadilho, porque na vida real é o que mais tenho feito.) Quanto à Inocência, poder-se-ia perguntar o que ela faz em meio a sentimentos tão negativos. Quanto à Inocência, bem, não o sejamos: não é toa que o inglês tem as palavras innocent e naïve. E o rótulo mesmo já exorta: "Na cultura cristã, a inocência é vista como candura, pureza. Na prática, porém, pode levar a consequências nefastas. Como na obra de Shakespeare, Otelo, o Mouro de Veneza."

Shakespeare assim, em rótulo de cerveja. Maravilha.




Tuesday, July 11, 2017

Os haikais da Lagoa



Hoje os meninos do 2o ano me levaram para escrever haikais na Lagoa, a que, por conveniência, chamamos de lake, palavra mais poética e mais aberta a rimas que lagoon, perdoe-nos a salinidade da água. 

Uma manhã fria com sol, como deve ser o inverno carioca. Todos se saem absurdamente bem e eu nem sei, do resultado, do que mais gosto, se das fotos se dos versos.

Trilha-sonora: Candy everybody wants :: 10,000 Maniacs

Os versos ::

No one sees
the nature beauty
that it is

(Carol Hisho)

Ducks pass by
in silence.
Don’t know why

(Samuel Bashō)

Try not to break
the silence
of the lake

(Davi Watashi)

It was green
It is gray
Can you imagine what it would have been?

(João Pedo Kotobuki)

Take a
break.
Lake

(Luckas Sintoshi)

 The sun shines upon the lake
Upon the lake
I see your grace.

(Luisa Assataro Banku)

Lake shining in the dark
Life runs so fast
Can’t breathe without the past

(Fernanda Mataro Caxa)
 
I stay awake
Calm and peacefully
Staring at the lake

(Daniela Fujiro Nakombi)

 Don’t know what’s blue
The sky these waters
Or me.

(Victoria Sashimi)

Little waves on the lake
Cover me completely
Just like my grave.

(Arthur Mishima)

Duck falls
In love
We fall

(Evandro Sake)

Into the water
My feet refreshes
Like breeze

(Daneil Daissuki)

I dream with this lake
Even if awake
Makes me shake.

(Igor Sayonara)

If the root comes out
We lose the beat
The melody teaches

 (Camila ア系アメリカ人である)

As fotos :::

















Monday, July 10, 2017

Noll




Noll deixou-nos este ano. Em texto (aqui), Fabrício Carpinejar lamenta que ele foi assassinado, "morreu de solidão nesta cidade abandonada às bestas, onde os livros são uma seita para pouquíssimos e corajosos". Bem, Fabrício, não é apenas Porto Alegre abandonada às bestas, é todo um país, todo um mundo.

Meu Hotel Atlântico é primeira edição autografada, dedicada ao Jornal Verve.

Ô romance david-lynchiano, deus meu.

Parei um pouco na sombra de uma árvore e bufei de calor. Fiz assim porque imaginei que os habitantes de Viçoso gostariam de alguém que demonstrava tão claro os seus sentimentos.

Como aquela criança no alpendre do chalé em frente. Ela dá voltas, salta, às vezes espia por uma das janelas. Como poucos passavam pelas ruas de Viçoso, a criança num momento me notou, e ela estava sorrindo, não sei se estava feliz por algum motivo, o que sei é que ela sorria, e quando me viu não desfez o sorriso, aquele sorriso me incluía também, e eu sorri.

E com o sorriso na boca recomecei a andar. 




Friday, July 07, 2017

John Fahey ::: Todo músico folk tem seu dia de Judas


Com o lançamento de Old-Fashioned Love em 1975, John Fahey viveu o que Dylan vivera nove anos antes: a galera folk hardcore torceu o nariz, vendo nele um outro Judas.

John estava é cansado da galera folk e produziu aqui outra de suas joias. Se nas faixas centrais do lado 2, ele toca com uma banda para pagar tributo ao jazz da primeira metade do século (e isso poderia estar em qualquer Woody Allen), se na primeira faixa, "In a Persian Market", ele faz um cover deslumbrante da obra bonita porém melosa e orientalista de Ketèlbey, será nas composições suas ("Marilyn", "Dry Bones in the Valley") e na tradicional "Jaya Shiva Shankara", que ele atinge, aparentemente sem esforço, os píncaros de Princesa Amarela e da Voz da Tartaruga.





Olá, vô Olavo!



Camila conheceu Olavo na fila do show do Focus em 2012, ficaram amigos e amigos dos amigos. Vim a conhecê-lo no ano seguinte, sempre em meio ao progressivo ou às empanadas chilenas do El Guatón. Houve ocasião mesmo em que, Camila no Rio, fui pra Sampa pro show do Steve Wilson e lá estava o indefectível Olavo.

Olá, vô Olavo é nosso gentle giant, que enfim veio ao Grajaú nos visitar. Dante ficou impressionado com aquele japa grande, um São Cristóvão japonês que, de quebra, ministrou-lhe lições de peteca. Dante ficou doido, quase mais do que o normal.

Felizmente, ao contrário da maioria dos progheads, Olavo não é reaça, muitíssimo pelo contrário. Infelizmente, porém, não gosta de comida japonesa.

Mas faz um molho de tomates todo dele que puta que o pariu. A tomatada vai pra panela de manhã cedo. À noite, depois de alguns retoques, o molho está pronto.

Fica a casa toda recendendo a tomate, aliás, toda a rua, como já dissera Neruda: "La calle / se llenó de tomates".









"El regalo / de su color fogoso"