Saturday, December 31, 2016

Igrejinha no Alto do Morro



Quantos cariocas não passam vinte, trinta, quarenta anos e a contemplam exaustos, frustrados, um e outro felizes, na ida ou na volta do trabalho, lá em cima, e um dia morrem cansados sem jamais nela entrar? No morro em que João do Rio encontrou muita feitiçaria, no morro em que Nava viu o nosso castelo de São Jorge.








De sexta-feira a feira



Tem uma fala da Aracy de Almeida sobre não deixar o Encantado por nada, que ali tinha uma feira aos sábados na Rua Cruz e Souza que era o xodó da sua vida. Não sei em que contexto foi isso, mas não duvido que tenha sido coisa do tipo o repórter perguntando por que ela ainda morava ali, já que, segundo ideia reinante em nossa imprensa e sociedade, ninguém escolhe morar na Zona Norte e, podendo cair fora, cai rapidinho. Se foi isso, a Dama do Encantado, ao falar da feira, foi até gentil.

Aqui no Grajaú são três as feiras de rua. Três. A mítica da minha infância sempre foi a da Júlio Furtado, porque as rodas dos carrinhos de rolimã no asfalto me acordavam cedinho toda sexta-feira, com os garotos que desciam dos morros, nesse misto de faina e algazarra.

Isso coube em um soneto do Caderno (2012):


o esporte de tocar as campainhas.
rolimã arranhando a sexta-feira.
pés ralados em futebol de rua.
desejos saciados em surdina.
sonhando graças com a vizinha nua.


Já não há carrinhos de rolimã, ninguém mais joga futebol na rua, a vizinha casou-se com J. Pinto Fernandes.

Mas a feira continua mais animada que nunca.







Thursday, December 29, 2016

Zé Ninguém :: Último Capítulo



Creio ser este o maior grafite do Zé Ninguém, personagem do nova-iorquino Tito Serrano, em nossa cidade. Localiza-se em uma empena do Hospital de Oncologia, grande conhecido mesmo de quem nunca, felizmente, dele precisou, pois fica em frente à Rodoviária Novo Rio.

Nele encontram-se, para além do Zé Ninguém, por óbvio, sua amada Ana, por quem tanto procurou, o adorável cãozinho também laranja, o Espírito de Porco, como sempre dizendo que vai dar tudo errado e o Dr. Dor. Este malvado utiliza uma arma feita de cigarros, o que mostra que o artista estava antenado com a localização da obra.

Creio que aqui termina a história que Tito desenhou por dezenas de paredes da cidade. Como que um atar de pontas, pois se não me engano ela começou por aqui também: numa das pilastras do viaduto, perto das inscrições do Profeta Gentileza.

O espaço hoje é um estacionamento. Uma proteção contra o sol atrapalha (mas eu perdoo!) a contemplação total da obra. Aliás, só consegui a foto subindo pelo viaduto! A pé! Um risco do cacete!

Valeu.

Mais Zé Ninguém, dos antigos, aqui (Penha) e aqui (Rio Comprido).

Para ser ainda explorado: Copacabana, acho que na Raul Pompeia, e um CIEP na Gávea.

Estilo Neoegípcio no Rio? Presente!



Existem duas construções em estilo neoegípcio nesta muy leal e heroica cidade: uma na Rua do Ouvidor e outra mais lado B, em Santo Cristo, por isso minha preferida.

Quando descobri esta do Santo Cristo, há coisa de seis anos, fiquei petrificado. Acalmou-me uma cerveja muy leal no Mercadinho Pedro Alves. Hoje o mercadinho virou igreja de crente, mas  a construção continua imperiosa, soberbamente bem conservada, campeã desde 1910, com seus capitéis a lembrar palmeiras e rica e originalíssima decoração fazendo jus ao estilo: falcões (alegoria do deus Hórus), escaravelhos alados (alegoria do renascimento da alma), o sol nascente (alegoria do deus Rá). Quedei-me ainda maravilhado e acalmou-me cerveja heroica no Bar do Beto.

Eu que luto contra o ufanismo, confesso que pesquisei o estilo nas imagens do google e, na boa, a maioria, ao menos em termos de fachada, não chega aos pés.

E convenhamos que Hórus, Rá e escaravelhos estão muito mais à vontade neste calor que rivaliza com o norte do África.


Bar do Beto : azulejos, cobogós, Beto, São Jorge e resina : outras mitologias


PS: O livro Rio Secreto, uma pequena joia de Thomas Jonglez et alii, explora o tema.

Wednesday, December 28, 2016

10 Anos de A Vida numa Goa III



Agora é oficial: nado em dezembro de 2006, este bloguinho despretensioso completou dez anos de existência. É de 2006, a Isolda de 2007, Dante de 2008.

Pensei em comemorar investindo nele. Consegui. Parece bobices, e é, mas eu queria bater o recorde de visualizações diárias, por exemplo, e eis que em dezembro passado tive mais de mil visualizações num dia, contra 855 de 31 de outubro, quase 300 a mais. Quando comparo com a postagem do post 1000 (aqui), de quase três anos, em que me declarei candidamente assombrado com um dia de 347 visualizações, vejo o crescimento: hoje passar de 300 é fichinha, eu que anteriormente me bastava com passar de 100.

Queria ainda superar o recorde de postagens mensais, que pertence a janeiro de 2007, com 39. Era outra estética, algumas postagens têm apenas uma foto e duas linhas, mas, enfim, era a linguagem da época. Mês passado cheguei a 35, o mês de dezembro também foi quase, ainda mais porque ando febril e febre na canícula é horrível.

Escrevo por necessidade, por terapia, mas nestas incluem-se, naturalmente, o desejo de troca, de ser lido. Foi neste segundo semestre de 2016 que veio este gás assim.

Gosto de publicar poemas aqui. Gostei imenso de utilizar esta plataforma para minha pesquisa sobre as pinturas de Nilton Bravo e outras pesquisas. Que as obras do Bravo tenham sido tombadas, em parte graças à pesquisa deste blog, é coisa que carrego para a vida. Gosto de escrever sobre as viagens, que às vezes não passam do quarteirão.

Quando desanimei, ganhei fôlego ao acompanhar blogs portugueses, como o antologia do esquecimento e o dias desiguais. A entrada da Camila em minha vida também foi um estímulo para além das palavras.

E, repito, achei que o facebook fosse acabar com o blog e acabou dando uma força. Coisa interessante é que muitas pessoas seguem o link, aparentemente leem a postagem, mas não curtem no face. Ok. I don't care. Assim, uma postagem com o link no face pode ter 10 curtidas. Mas no blog são centenas de visualizações. Rarararará, talvez admiradores secretos.

Cansei de pedir a amigos talentosos no texto que iniciassem o seu blog, ninguém fez. Nem a Camila, nem o Rixa, a Irana, a Cristiane Brasileiro, o Thiago Ponce, o João Candido e mais um e outro.

Dez anos e seguimos animados aqui.

Limerique para a Patinete



A linda Pati tem seu patinete
com quem vive agarrada qual chiclete
Então façamos assim
eu também quero um pra mim
quem me dará o meu evandronete?

Tuesday, December 27, 2016

Que guarda o guarda-chuva além da chuva



que guarda o guarda-chuva além da chuva
que sonhos guarda em seu nariz pontudo
contra o céu apontado a furar-lhe a
crosta e que segredos este moço
que quase sempre é negro e circunspecto
sussurra ao fascinado Dante? Chove.
Procuro tua mão rebelde que
me repele uma e outra vez por fim
se deixa ficar albergada à minha
e assim nos vamos por entre as águas
algo de eterno entre nós flutua
Não é difícil que se escandalizem
E ao ver-nos deste modo pela rua:
"Olha! São os Bobos do bairro" dizem...

Maria Perigosa, de Luís Jardim X Sagarana




Andei relendo Maria Perigosa, do Luís Jardim, escritor e ilustrador pernambucano de Garanhuns, como Lula.

Tenho a segunda edição, de 1959, revista e aumentada, lançada vinte anos depois da primeira, ambas pela José Olympio. Exemplar com dedicatória, para um certo Bernardelli, com quem, depreende-se, Luís Jardim teria tido alguma relação por causa do Citybank. Jardim identifica-se como "o correntista" e ao livro chama-o "este livrinho sem perigo nenhum".

Também acho. Não tem perigo nenhum. Trata-se de um regionalismo muito ao gosto da primeira metade do século passado. Em alguns momentos é bom e interessante, em outros cansa pelo excesso de cor local. Em outros ainda, cansa pela pieguice, como no conto homônimo. Prefiro Bernardo Élis (aqui).

Mas este livro foi o pivô de uma grande polêmica na literatura brasileira, quando ainda havia polêmicas na literatura brasileira. Em 1938 a José Olympio promoveu um concurso de contos, o Prêmio Humberto de Campos, com a seguinte comissão julgadora: Dias da Costa, Graciliano Ramos, Marques Rebelo, Peregrino Júnior e Prudente de Moraes Neto. 

Maria Perigosa, adivinhem, ganhou. Em segundo, sob o pseudônimo Viator, ficou Sagarana, do Guimarães Rosa.

Sagarana, todos o sabemos, só viria a ser publicado sete anos depois, em 1946. Graciliano morreu dizendo que aquela edição publicada era bem diferente da do concurso. É possível. Enfim.

Esta segunda edição da Perigosa é fartamente (bem) ilustrada pelo próprio autor.





Sunday, December 25, 2016

Pampi e Ian e A Christmas Song

Maio de 2012 :: Newcastle


Não sei se sabem, mas Camila é amiga do Ian. Amiga mesmo. Se ele não a procura para chorar umas pitangas de vez em quando, se ela não o procura para reclamar da minhas cancerianices é mais devido à distância física, porque os dois são amigos, já superou, com sobras,  uma relação cordial entre artista e fã. Tanto que ele pediu-lhe toda a tradução do Thick as a Brick II, quando ainda mal a conhecera. Coisa de amigos.

E daí, Ian, que há mais de quarenta anos escreveu a linda canção linda "A Christmas Song" e que há pouco mais de dez anos lançou um álbum todo ele dedicado a canções natalinas, hoje enviou um longo e-mail para ela. Com os votos de Natal, Ano Novo, notícias suas e outros que tais, em que faz questão de lembrar as origens pagãs da festa.

Eu diria que isso talvez explique o lindo sorriso em seu rosto, quando nos encontramos na única padaria aberta do Grajáu porque eu queria comer rabanadas. 

Mas quando não tem ela o lindo sorriso no rosto?

E com certeza a reason for smiling here is not wrong at all.



Outubro de 2015 : São Paulo


A de Absalom, Mike Absalom


 Pense no que seria um bardo, autêntico bardo irlandês, aquele que conhece todas as canções todos os mitos todas as lendas, de Cúchulainn e Lugh a John the Bog e Suzie the Grapevine. Pense em como seria sua cara e veja se não algo como Mike Absalom hoje.

Mike Absalom já está na estrada há muuuito tempo. Para além de ser aquele descrito no parágrafo acima, o velho também toca harpa. Paraguaia. De uns anos para cá deu pra pintar. Adoro seus quadros.

Há 45 anos ele lançou álbum homônimo pela Vertigo, em que canta e toca todos os instrumentos. A capa (a parada é luxuosa) é de um tal de Roger Dean. Um dos primeiros trabalhos de Dean, um pouquinho antes de fazer o Fragile do Yes.

Este disco de 1971 é obra de um autêntico bardo irlandês. Não gosto muito das canções humorísticas (adoraria se estivesse num pub, Guinness na mão), mas coisas como "Frightened of the Dark" e "Old Woman in the Moon" falam muito ao meu coração.

Long Live Mike! Abasalom, Absalom!





Nosso Porquinho de Quimono



Um dos nossos pratos preferidos da cidade é a jambalaya do Bar da Frente, tanto que este ano resolvemos fazer a nossa (ver aqui) e empolgamos tanto que fizemos também para o meu aniversário. A primeira ficou divina, puro amor, a do aniversário já nem tanto, é difícil cozinhar pra batalhão.

Já um dos petiscos preferidos da cidade é o porquinho de quimono, também do... Bar da Frente, vencedor do Comida de Buteco de 2014 e incorporado ao cardápio. Trata-se de um harumaki recheado com costelinha suína defumada e requeijão de ervas, acompanhado de molho agridoce. E aí, sendo Natal, entramos numas de fazermos nosso porquinho de quimono: massa harumaki com filé mignon suíno ao curry verde tailandês e cenourinha ralada. Temperamos com um dip de guacamole. Tivemos alguma dificuldade na hora de embrulhar as trouxinhas, mas nada que um tutorial não ensine rapidamente. É bem mais fácil do que parece. Frita (deep-fried) muito rápido e, acreditem, é menos gorduroso que um pastel ou um bolinho de bacalhau. Simplesmente sensacional.






Friday, December 23, 2016

Só deixo meu Grajaú / No último pau-de-arara



A vida aqui só é ruim
Quando não chove no chão
Mas se chover dá de tudo

Tempura tem de porção
Tomara que chova logo
Tomara meu Deus tomara

Só deixo meu Grajaú
No último pau-de-arara
Só deixo meu Grajaú
No último pau-de-arara

< d'après Luiz Gonzaga >