Tuesday, July 26, 2016

Escrever (n)o livro



Do pai não herdei apenas o hábito (palavra fraca aqui) da leitura, mas o de fazê-la sempre com lápis na mão, sublinhando passagens, fazendo comentários ao lado. Não marcar daria aquela impressão de deixar algo precioso para trás. Digo isto porque outro dia, em sala, fazendo trabalho com livros de fotografia, uma aluna querida ralhou comigo ao perceber diversos trechos marcados no Histórias de um Fotógrafo Viajante, do Araquém Alcântara. Depois de defender-me de que comprara o livro assim, defendi-me argumentando que sempre marquei mesmo, meu pai e eu, e sentar ou deitar para ler estará incompleto sem lápis à mão. Mas lápis apenas! Caneta e marcador constituem crime de lesa-bibliofilia, cujo simples imaginar equivalem ao atrito que tampinha de garrafa faz em chão áspero.

Na adolescência li e reli Budismo e o Caminho da Vida, do Christmas Humphreys, livro que também o pai já lera e relera algumas vezes. Já não tínhamos mais onde sublinhar. Quase o mesmo acontece agora na leitura de O Demônio do Meio-Dia. Adoro saber que trechos lhe impressionaram e tento fazer minhas marcações sem que se confundam às dele. Mas às vez acho isso bobagem.

'Contágio do desespero', como não destacar?



Sunday, July 24, 2016

Os Azulejos da Casa dos Poveiros



Os portugueses na primeira metade do século passado organizavam suas 'casas' de acordo com sua região de origem, o que é bastante razoável. Daí a Casa do Minho, no Cosme Velho (aqui) e, na Tijuca, a das Beiras (aqui) e, vizinhas de rua, a de Trás-os-Montes e Alto Douro e a de Açores, para ficarmos com algumas. A Casa do Porto, na Afonso Pena, é exceção, mas entende-se que uma cidade grande possa ter a sua própria. Mas entra neste grupo também a Casa dos Poveiros, no Rio Comprido, sem que Póvoa do Varzim, até onde sei, tenha a importância de um Porto.

Das duas uma: ou havia muito poveiro por aqui ou estes acharam que quem nasce onde nasceu Eça merece casa à parte. Pode ser.

Está instalada num belo palacete verde na Rua do Bispo, que não foi erguido para tal função. Eu gostava de ter informações sobre esse palacete.

De azulejos, cinco painéis quadrados (14 X 14) localizados na quadra esportiva (?!). Em que pesem as boladas, conservam-se bem. Peças de 1979 produzidas pela quase tricentenária lisboeta Fábrica Sant'Anna. Os motivos são os orgulhos dos puveiros, digo-o sem ironia: a praia, a pesca, o Cego do Maio. E, claro, o gênio do Primo Basílio, do Padre Amaro, do Mandarim.










Encontrei ainda pequeno painel de Fátima do Manoel Félix Igrejas. Na entrada um outro mais recente, com runas, assinado por Isaura Milhazes.





República dos Ipês

Grajaú, Araxá


Outro dia recebi 'encomenda' do Carlos Frascari, este a quem invejo por seus conhecimentos e coleção de azulejos. Morador do Estácio, pediu-me que eu fotografasse certo espécime ali do Largo, já que a foto que ele fizera, de dentro de carro em movimento, não ficara grande coisa.

Fiquei todo embevecido, jamais recebera pedido assim. Já me pediram que eu passasse no banco, que eu comprasse água sanitária, que eu entregasse notas, corrigisse as provas, não as faça tão difíceis, diminuísse o ar condicionado, fizesse o exame da próstata, não pedisse outra saideira. Dante me pede que eu empurre mais uma vez o balanço, que eu repita "Fico assim sem você" no youtube, que eu puxe a bicicleta. Fotografar um ipê foi a primeira vez. Lembrei-me de pedido que eu mesmo recém fizera à moça de viagem a Nova York (aqui).

Carlos pediu e como por grande coincidência eu iria mesmo tirar umas fotos ali perto, do grafite em homenagem ao preso político Rafael Braga, fui no mesmo dia. A foto não ficou essas coisas, o céu não ajudou, não sou fotógrafo. Mas gosto de ipês, eles que, segundo Rubem Alves, fazem amor quando o inverno chega. E como este ano eles têm estado particularmente perturbadores, segue pequena coleção.

Catumbi

Grajaú, Malvino Reis
Rio Comprido

Tabladinho

Vila Isabel

Jardim Botânico

O do Estácio

Friday, July 22, 2016

O Tombamento da Obra de Nilton Bravo

Costa do Minho


Andei falando no facebook, mas creio que ainda não por aqui, cousa deveras injusta já que, pasmai (sou o primeiro), graças a este blog hoje a obra de Nilton Bravo sobrevivente nos botequins cariocas encontra-se em processo de tombamento.

Minha alegria, e orgulho naquele sentido bom, é imensa. Afinal, quando escrevi a postagem "Inventário Final até agora" (aqui), confessei: "E, por fim, já que falei em patrimônio, o objetivo final consiste em pedir incontinênti o tombamento de todas essas obras, de vez que apenas as duas pinturas do Café e Bar Sulista foram oficialmente tombadas, em nível municipal, em 1986."

E não é que? Bem, este blog que já me rendeu amigos (pense um Rixa, um Ivo, uma Camila) e uma noiva (lembre da Camila) acabou chamando a atenção de profissionais do IRPH (Instituto Rio Patrimônio da Humanidade), que entraram em contato comigo (via CAp!) para uma reunião e início dos trabalhos. Hoje acompanhei a Iva em pleno trabalho de campo: conversa com donos, funcionários e clientes, advertências acerca de cuidados com a manutenção, o tombamento em si etc. Tanto no Costa do Minho, no meu Grajaú, quanto no Gurilândia, na Tijuca, fomos extremamente bem recebidos, em especial neste último, em que um dono / filho de dono revelou-se consciente e mesmo empolgado ante a perspectiva de tombamento.

Faltam apenas as visitas aos botequins localizados no centro (Cinelândia, Lapa e Fátima) para que enfim a formalização se dê. Feito isso, partir para a mesma empreitada em relação ao Castelinho do Alto (aqui e aqui), onde se encontra o maior conjunto de Nilton Bravos da cidade. Em seguida, insistirei para que se inclua na leva o tombamento dos botequins com notórias pinturas, ainda que não Bravos: o Flor do Tâmega (aqui), o Bar do Souto (aqui) e o Maringá.
Patrimônio em ação no Costa do Minho

Iva
Iva



Iva no Gurilândia

detalhe do Bravo no Gurilândia

Thursday, July 21, 2016

O Amor Possível, Saramago e Juan Arias



Um pouco na linha da Leader Magazine (ou quiçá as Pernambucanas) que quando faz aniversário quem ganha o presente é você, no aniversário do escritor e jornalista espanhol Juan Arias, 20 de julho, chegou-me o que de melhor pode chegar a um homem pelos correios: pacote ou envelope contendo livro. No caso, José Saramago: O Amor Possível, longa conversa do grande escritor português com Juan. Presente deste.

O livro é de 2003 e no prefácio, escrito por Juan em sua atual Saquarema, ele revela que o título foi escolha de José e que quando a obra foi publicada na Espanha, as resenhas chamaram-na... El Amor Imposible. Ato falho. Ato falho de quem talvez não mais creia no amor ao contrário do genial 'pessimista' ateu que, ao criar Blimunda e Baltasar, para ficarmos apenas com estes, não poderia jamais deixar de nele acreditar.

Li já quase todo enquanto aplicava provas de Química. Não, acho que ninguém colou.





Wednesday, July 20, 2016

O Ipê do Tabladinho



Há coisa de seis anos fiz postagem para ele (aqui) e, relendo-a, assino embaixo de tudo, com exceção do erro de chamá-lo roxo quando até Miguilim o veria rosa. Fosse roxo, lembraria um jacarandá, o que está longe de ser o caso.

É um ipê-rosa aquele defronte o Tabladinho, um dos mais lindos da cidade. Gosto dele em especial porque foi ali que meus olhos pousaram na primeira vez que vestiam óculos em 1992. Como que o alumbramento foi maior, tão fora de si aquele rosa contra o céu de inverno, as abelhinhas miúdas fazendo a farra.

Este ano subi ao Tabladinho de novo, privilégio de que não abro mão, por amor de ter com ele de perto. Nisso Lúcia veio conversar e disse que sua floração em agosto era o modo de desejar a todos um feliz retorno das férias, um feliz segundo semestre, essas coisas que os ipês tentam dizer em agosto, mês geralmente difícil. (Agora faz calor no inverno e o calendário escolar tumultuou-se, mas ele não foge à sua natureza.)

Depois Lúcia disse também, netinha ao colo, filha do meu primeiro aluno Chico, que seu pai, que conheci de relance há muitos anos e que muito encantou-me tomando sua latinha de Brahma Extra, era louco por ipês de modo que hoje descansa na fazenda à sombra de um. Branco. Segundo ela, mais delicado.

Então é isso :: você sobe para tirar fotos de perto do ipê e aprende que o pai da velha conhecida os amava e hoje descansa à sombra de um. Isso tudo antes das aulas, antes do trabalho. É sentir-se menos só. E pensar que também pode ser assim, daqui a muitos anos.







Friday, July 15, 2016

Painel de Igrejas na Casa das Beiras



Visitar as casas purtuguesas da cidade, concentradas majoritariamente na Tijuca, tem sido certeza de sucesso neste inventário da obra azulejar dos Irmãos Igrejas. Com exceção da Casa do Porto, ótimos achados na Casa da Vila da Feira (o Palácio do Pavão do Pedro Nava, aqui), na Casa do Minho (que tem até pintura a óleo, aqui) e, agora, na Casa das Beiras, com este maravilhoso painel abaulado de 689 peças.

Aquando da descrição de um outro painel em um outro espaço luso, o Liceu Literário (aqui), mencionei o uso do tradicional azul e branco em detrimento da mais naïf policromia. Aqui Manoel faz a síntese do tradicional com o naïf, inda que a fatura, claro, esteja mais para este que o para o tradicional. O efeito enche os olhos.













Thursday, July 14, 2016

(Eu) Ainda Rio Comprido



Como o título da postagem indica, já andei e postei sobre o eterno bairro do jovem Pedro Nava (aqui e aqui e aqui), bairro que foi / é , arrisco, um dos mais degradados de nossa urbe, após a construção do Elevado Monstrengo.

Hoje quase que bairro 'de passagem', passagem de muitos seja por cima seja por baixo. Descer e se adentrar um pedaço terá suas recompensas, a começar por um dos mais belos exemplares da arquitetura colonial civil da cidade, a Casa do Bispo.

Seguem alguns registros de hoje, sem qualquer pretensão de completude, mesmo porque retornarei. O Zé Ninguém, do Tito Serrano, à procura de sua Ana, um instigante 'grafite' político da Escrava Anastácia, duas igrejas maravilhosas, sendo uma com ex-votos, um improbabilíssimo Museu de Odontologia, o neocolonial hispânico, ipês absurdos, caquinhos, mosaicos, cobogós.