Friday, October 31, 2014

Rock Progressivo para Cabeças Regressivas


Ainda na ressaca das eleições, em cujo segundo turno envolvi-me intensamente, muito mais do que poderia crer e mais até que em 1989. Passados 25 anos, os protagonistas não mudaram grande cousa. O vencedor de então, o engomado Collor, devidamente defenestrado, encontrará sempre meios de se manter no poder, como a pulga não vive longe de qualquer pedaço de carne e músculos e sangue (principalmente) que se movimente. E não raro aquilo que ele representa toma corpo em outro candidato, como foi bem o caso neste 2014.

Nesta inevitável polarização que é um segundo turno, muitas coisas me chamaram a atenção, positiva e, principalmente, negativamente. Dentre estas, o alinhamento dos fãs de rock progressivo com a direita.

Não quero um mundo onde todos pensem igual, tampouco estou a dizer que só tomarei cerveja com quem goste de progressivo, seja vascaíno, leia poesia e goste de botequim velho. (E, claro, que a cerveja seja no mínimo a Heineken). Não se trata disso. Entendo mesmo que muitas vezes temos grupos distintos de amigos, formados a partir de interesses diferentes. Pode ser que haja a coincidência de alguns interesses, muitas vezes não há. Luna, a personagem que inventei, ia aos jogos do Vasco com a Andréia, mas suas conversas não iam muito além do que passava dentro das quatro linhas. Luna ia a shows de progressivo com o Mário, a Paulinha, a Guga onde, invariavelmente, conversavam sobre música.

O complicado não é quando a pessoa que também gosta de prog vota no João quando você vota no José. O complicado é quando, para além de votar no João, a pessoa ataca com virulência não só o José, mas os eleitores do José. Aí, como fica? E agora, José?

Ouvi de duas amigas / conhecidas dissabores semelhantes. Camila, uma ex-aluna muito politizada e também flamenguista bem marcada, descobriu horrorizada que muitos conhecidos seus flamenguistas são tremendamente reacionários. Já a Carolina é ativista dos direitos dos animais, sempre envolvida com questões práticas de adoção, vacinação, cuidados etc. Ela descobriu que muitas de suas colegas / amigas envolvidas nessa causa tinham pensamento político diferente do seu (até aí tudo bem), o qual faziam questão de expressar em termos ofensivos quando não criminosos.

E agora, Camila? E agora, Carolina?

Esperamos uma chuva forte em novembro que arraste as diferenças para o ralo, para debaixo do tapete, e seguimos cordiais com os nossos contatos? Haja amarelo para se colocar no sorriso.

E nem falei no progressivo. Nem falei que também eu descobri horrorizado que progressivo para muitos (a maioria?) fica restrito às notas do Moog e àquela bela introdução de Mellotron. Fora disso, porrada. A porrada do preconceito, a porrada da xenofobia, a porrada do pensamento hegemônico.

E o progressivo, rá, a cena italiana, a cena sueca, para citar duas das principais, era visceralmente de cariz democrático e de esquerda. Lembro-me dos versos de Yeats em "The Scholars" (1914), acerca dos acadêmicos velhinhos analisando os versos de Catulo, de todo esquecidos da paixão sanguínea na qual se queimara o genial poeta latino.

Sobre a linha esquerda-revolucionária dos rock progressivo dos anos 70, depois escrevo mais pormenorizadamente uma continuação.

THE SCHOLARS
W.B. Yeats

Bald heads forgetful of their sins,
Old, learned, respectable bald heads
Edit and annotate the lines
That young men, tossing on their beds,
Rhymed out in love’s despair
To flatter beauty’s ignorant ear.
All shuffle there; all cough in ink;
All wear the carpet with their shoes;
All think what other people think;
All know the man their neighbour knows.
Lord, what would they say
Did their Catullus walk that way?

Grajaú Faz 100 Anos III ou InstaGrajaú III

Mais uma para a série. As primeiras estão aqui e aqui. Um velho armarinho na Verdun na mesma família há três gerações, a casa de pedra, os azulejos hidráulicos.













David Lynch não consegue dizer que a Marquesa Saiu às Cinco Horas



Em seu Manifesto Surrealista, André Breton cita Valéry, que se justificava não ser romancista por não conseguir (na verdade, não querer, se recusar a) escrever a frase "A marquesa saiu às cinco horas".

Valéry quis dar o exemplo de uma frase referencial, prosaica, que, para ele, não cabia na poesia. Eu o compreendo. Mas a contextualização, século XIX, é necessária.

Pra sacanear, Claude Mauriac batizou um de seus romances... La marquise sortit à cinq heures.

É claro que romances podem ser absurdamente poéticos, aliás, encontro mais poesia em Lavoura Arcaica e em Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios do que em muita poesia por aí.

E é claro que a poesia pode ser prosaica.

Quem não consegue dizer que a Marquesa saiu ás cinco horas é o David Lynch. Me veio isso à cabeça depois de assistir ao seu "Wild at Heart" (1990) , filme que se alinha a Blue Velvet e Mulholland Drive e não a The Elephant Man ou The Straight Story.

Não há uma única tomada que nos mostre a marquesa saindo às cinco da tarde ou que nos fale da sua saída. Filme visceralmente poético, mas de uma poesia, cuidado, do submundo, do kitsch, do falso, da paródia de si mesma, da corrupçaõ estética. Ele coloca o pinguim em cima da geladeira, mas não é este pinguim. Negada esta intencionalidade, a última cena, por exemplo, torna-se tola. Diretor e público são cúmplices na trapaça. De fato, não pode jamais existir corrupção sem corruptor e corrompido.

Tuesday, October 28, 2014

Risotto ao Shimeji com Pimentão Vermelho e Hidromel



Por que lua-de-mel, por que honeymoon, hein? Ora, muito fácil :: porque aos recém-casados era oferecido hidromel (pelo pai da noiva), a ser consumido nos trinta dias que se seguiam às bodas. Como na época usava-se o calendário lunar, esse período de doce confraternização e risonhas brincadeiras entre os pombinhos passou a chamar-se "lua-de-mel". Isso na Babilônia, coisa de dois mil anos antes que o filho do carpinteiro e da virgem grávida nascesse em Belém.

O hidromel, espécie de "vinho de mel", isto é, uma bebida alcoolica fermentada de mel, foi largamente consumuido por celtas, saxões e vikings.

Sempre tive curiosidade em prová-lo e quando o fiz pela vez primeira, em fevereiro do ano passado, fiquei bastante surpreso, pois esperava algo mais forte. Esperei errado, pois aos 14,5% de alcool, ele é o que é, hoje me lembrando muito um vinho de sobremesa, fortificado, como os Tokay húngaros.

Faltava cozinhar com ele. Ora, como quase sempre uso vinho branco no primeiro cozimento do arroz arboreo, não foi nada difícil enfiá-lo em um risotto, onde entraram ainda cogumelos frescos (shimeji) e lascas de pimentão vermelho.

Evoé, Odin.



Monday, October 27, 2014

O Grande Hotel Budapeste e seu Mac Guffin



Quem assistiu a Grande Hotel Budapeste não se esquece da tela "Menino com Maçã", de Johannes van Hoytl.

Já ouviram falar do grande pintor van Hoytl? Espero que não, ele não existe. Para confundir, a tela aparece em meio a outras realmente existentes: maravilhosos Klimt e Egon Schiele. É deste último a tela que ocupa o lugar do "Menino com Maçã", quando esta é roubada.

Mas isso é o de menos. O legal é notar que a disputa pela tela é autêntico "Mac Guffin", de vez que motiva a ação dos personagens sem ser de fato relevante para a narrativa.

Isso me trouxe à mente outro bom exemplo desse artifício, em romance com que trabalhei em minha tese: em Um Estranho em Goa, do Agualusa, aquela busca do narrador pelo coração de São Francisco Xavier. Eu não conhecia este termo -- Mac Guffin, McGuffin, maguffin -- quando escrevi o trabalho. Mas é disto que falo no parágrafo abaixo.




É a própria motivação para a viagem, desencadeadora do enredo, que já pretende colocar o leitor dentro do campo ficcional. O narrador não viaja em busca de um homem, o que poderia configurar um relato de viagem, mas em busca de um personagem, o que já configura a ficção. Com efeito, há no romance dois fios condutores: a procura de Plácido e, depois, já em Goa, a tentativa de aquisição de uma relíquia – o coração de São Francisco Xavier. No bojo desta tentativa, ocorre o assassinato de Jimmy Ferreira, dono de bar e traficante (de drogas, de mulheres, de relíquias), que iria obter o coração do santo para o narrador. Estes dois fios se entrelaçam, de vez que há uma relação, jamais esclarecida totalmente, entre Plácido e a relíquia. No entanto, esses fios narrativos, com ganchos por vezes policialescos, parecem ser o que menos importa na obra. Relativamente pobre em diegese, o romance revela-se palco privilegiado de discussões de questões identitárias.

Sunday, October 26, 2014

Botequins Tijucanos Tradicionais I

Pequena messe do que tenho visto por aí, quando o assunto é botequim tradicional na Tijuca, um dos bairros com mais representações no quesito e olhem que já fui ao Sri Lanka.

Bar do Escorrega

Bar e Lanchonete Guaíras

Café e Bar Gurilândia

Bar Praia de Nazaré

Bar Quins de Louzã

Bar Twistinho

Café e Bar Brotinho aka Bar da D. Maria
 
Café e Bar Caxias

Lanches Anguaí

Lanches Real da Tijuca

Açougue Acadêmico

Bar Cacio

Saturday, October 25, 2014

Por um Presidente Gago. Por um Presidente Surdo-Mudo


No mínimo exagerado o valor dado ao que se entende por falar bem. Falar bem, isto é, com clareza, com bom vocabulário, sem repetições desnecessárias, sem tergiversações e sem gaguejar, tornou-se, por antonomásia, sinônimo de honestidade e de capacidade de boa administração.

Outro dia, assisti a uma entrevista de um professor norte-americano para a CNN. Ela tratava da maneira preconceituosa como os países árabes são amiúde tratados pela imprensa do Ocidente. Sua retórica aliada a seu amplo conhecimento do assunto me impressionaram. Dava um braço, um dedo que seja, para falar assim.

Como professor, procuro me expressar com clareza em sala de aula, o que nem sempre consigo. Se eu for pego de surpresa na rua em uma entrevista ou estiver sob pressão, em uma reunião ou novamente em uma situação estressante de rua, posso me expressar bastante mal, se aceitamos como bem as características que elenquei acima. E aí? Estou forçosamente sendo incapaz? Desonesto? Não valho o que uma gata enterra?

Por extensão, não falar bem vira não saber falar. Desde 1989 ouço essa história de que Lula não sabe falar. Agora crucificam a Dilma porque ela gagueja e comete eventuais agramaticalidades. Até o "pra mim fazer" virou motivo de chacota nas redes sociais. Isso já não está superado? Bandeira não tratou disso em crônica antológica?

Então o importante é saber falar, saber se expressar com retórica cristalina mesmo sob pressão. Ora, mas as decisões, as medidas a serem tomadas por um presidente não são tomadas sob pressão, são? Sob este tipo de pressão? Então a bela habilidade de "falar bem" torna-se um balangandã, um acessório. Eu também preferia que meu candidato, seja para presidente, para chefe ou para síndico, soubesse "falar bem", como me causaria alegria saber que ele desenha bem e sabe fazer um belo ovo frito, sunny side up. 

Aécio fala melhor do que Dilma, se tomarmos o senso comum do que é falar bem. Euzinho aqui acho que a Dilma fala melhor do que ele, justamente por não ser uma autômata treinada, uma atriz, um pau mandado como Mr. Snow.

Mais: seguindo ainda o senso comum do falar bem (Hitler, claro que eu tinha que lembrar, foi grande orador, daqueles que hipntozam as multidões, mesmo que estas tenham bebido Schiller, Novalis e Goethe em suas mamadeiras), então um gago nunca poderá ser presidente da república? Porque existem gagos, não? E os surdos-mudos? Não existem? Receberão nossas migalhas a que daremos o nome de inclusão mas, ai ai ai, nada de vida política!

Friday, October 24, 2014

Prokofiev ::: Concerto para Violino # 1



No mesmo ano simplinho de 1917, em que compôs a primeira sinfonia, Prokofiev escreveu duas sonatas para piano e seu primeiro concerto para violino. Um ano, digamos, produtivo, enquanto Anastásia e Nicolau eram gentilmente convidados a se retirar do trono, depois de mais um golinho de vodka em companhia de Rasputin.

Não creio hajam pedido aqui uma camisa-de-força para o rapaz, como fizeram cinco anos antes, aquando da estreia de seu primeiro concerto para piano (escrevi aqui). Há algo mesmo de romântico, mas vindo de um modernista e, mais do que isso, moderno (que depois virou eterno) que sabia que podia e como podia escrever uma sinfonia clássica ali, um concerto para violino romântico acolá.

Com efeito, a obra é de uma beleza arrebatadora. Destaquei o último movimento porque simplesmente amo as notas iniciais tocadas nas madeiras.

E o trecho em 4:45, em que a tuba (!) retoma o motivo sobre / sob / entre as circunvoluções do violino é de uma beleza indescritível. Eu queria morar aqui.

Sobre Hilary Hahn escrevo depois. Hilary, moça que venera e toca Bach todos os dias e promove a música contemporânea como poucos concertistas.



Thursday, October 23, 2014

A Morte de Klinghoffer ::: Uma Ópera




Muita controvérsia esta semana em Nova York na estreia da ópera The Death of Klinghoffer, do compositor norte-americando John Adams (1947). A obra tematiza o sequestro do navio Achille Lauro em 1985 pela OLP, que terminou com um judeu estadunidense cadeirante assassinado com dois tiros. Seu corpo foi atirado ao mar. (Na verdade, não "terminou" aí)

A polêmica é que a comunidade judaica dos EUA acredita que a ópera faz glorificação dos terroristas, do terrorismo e é, ao fim e ao cabo, anti-semita.

Eu acho sensacional que se faça ópera sobre temas contemporâneos e não concordo que o compositor tivesse que pedir permissão à família de Klinghoffer, como também se cogitou.

Mas a família tem todo o direito de protestar. A comunidade e simpatizantes (eu mesmo um filossemita), todo o direito de externar o descontentamento, mesmo na entrada do teatro.

Proibir a exibição é uma grosseria míope e insensata. Mesmo porque a ópera não é abertamente anti-semita.

Pano pra manga.

A música, relegada a segundo ou terceiro planos, é soberba. De pronto, os corais são mais impactantes mesmo que as óperas de Philip Glass, com quem Adams divide afinidades e de quem escrevi aqui.






Wednesday, October 22, 2014

Eleições de 1989 ::: São Paulo X Vasco



Acabou que esta eleição para presidente empolgou muito mais do que haveríamos de supor. Isso pode ser bom ou mau.

A de 89 não esquecerei jamais. Não apenas porque era a primeira direta desde 1960 ("Vovô viu a urna"), mas porque foi disputada por Lula, Brizola, Collor, Maluf, Covas, Afif, Caiado, Ulysses Guimarães. Quer mais? Aureliano Chaves, Enéas e Gabeira! E citei só os mais importantes!

No Rio o negócio pegou entre o Brizola, sempre forte aqui, Lula, e o playboy engomadinho Fernandinho. Adesivos de carro davam o tom frenético da disputa e mais de uma vez fiz minha viagem de 460 fazendo disputas com os adevisos encontrados pelo caminho. A mordacidade carioca fazia das suas: vascaínos compravam o adesivo do Covas só para inverter as sílabas, enquanto antibrizolistas compravam o de Brizola e retiravam as duas primeiras letras.

O resultado de 15 de novembro todos sabem: vão para o segundo turno Lula e Fernandinho.

Em que pese todo esse circo (ou por isso mesmo), o circo do futebol não parou. O Vasco contratou Bebeto do rival e reforçou o bom / muito bom time que já tinha: Acácio, Luis Carlos Winck, Mazinho, Geovani, Bismarck. Romário e Roberto tinham acabado de sair.

Chegando à final, uma maluquice do regulamento permitiu que o Vasco, por ter melhor campanha, escolhesse o local do jogo de ida. Preferimos que este jogo fosse no Morumbi (detalhe: uma vitória simples em casa já nos daria o título).

E agora como amarro as pontas deste post? Bem, a decisão São Paulo X Vasco foi no dia 16 de dezembro de 1989, véspera da decisão de uma das eleições mais disputadas da história: Collor X Lula. No Morumbi, enquanto a torcida do São Paulo (pelo menos parte dela) entoou músicas pró-Collor, a do Vasco, naturalmente minoritária, porém fazendo jus ao seu passado democrático, guerreiro e contestador, cantou o jingle de Lula! Disso não esqueço.

Deus, sentado na marquise próxima ao portão D, a tudo assistiu e iluminou a cabeça do Sorato para nos dar o bi-campeonato.

Eram tempos de lei-seca eleitoral. Os rivais ironizaram que comemoramos com guaraná e coca-cola. Bem, na impossibilidade de comemorar apenas com cerveja, fui obrigado a descobrir uma garrafa de rum na festa em que estava. Na manhã seguinte a cabeça doía apenas um pedaço, nada que me impedisse de vestir a camisa do Vasco e correr para minha seção cumprir com as obrigações de mesário.


Tuesday, October 21, 2014

O Painel de Azulejos do Clube Monte Sinai



Ao Lado direito de quem entra, chamam logo a atenção pelo inusitado das cores :: marrom e branco, nada comum em paineis azulejares por aqui. Chamam a atenção justo por não serem feitos em cores que chamariam mais a atenção: a policromia ou a mais que frequente combinação azul e branco.

Constituem um único longo painel, em que se percebe, no entanto, cinco histórias do Velho Testamento, todas ligadas a Moisés e o povo judeu, a ver: Moisés retirado das águas, a saída do Egito, a travessia do deserto, a apresentação dos Dez Mandamentos e, por fim, Israel.

Painel assinado: De Marchis, 1965. Valor artístico, histórico (quase cinquentenário já) e, por que não dizer, político, em termos de demonização precipitada do Estado de Israel.







 
 



Monday, October 20, 2014

Soneto ::: O Prodígio Hexagonal do Teu Sexo



o meu amor acorda duas vezes
às vezes três
numa mesma manhã :: assim me quer
a descoberta
renovada com o abrir das pálpebras
assim me arrasta
ao prodígio hexagonal do seu sexo
que tantas vezes
penetro e beijo como se a manhã
sequer fizesse
sentido ou parte desta quinta-feira
vulgar :: se é
que podem ser vulgares as cigarras
em nossas peles


Sunday, October 19, 2014

Ian Curtis, Joy Division ::: É Isso a Permanência?


Está para sair uma bíblia de 960 páginas com todas as letras de Bob Dylan, o que revela que o momento parece apropriado para esse tipo de publicação, que amiúde corre o risco de ser item apenas para fãs completistas. Letras de música publicadas em livro. Acaba de sair um também com todas as letras de Ian Curtis, vocalista do Joy Division que se enforcou aos 23 anos em 1980. So This is Permanence.

Independente de avaliarmos se as letras torturadas de Curtis se sustentam sobre o branco do papel e apenas, o livro tem já importância por apresentar material inédito, três cadernos manuscritos de Ian e páginas soltas.

Tive tudo do Joy Division em vinil e tenho tudo em CD. Tive ainda, por muitos anos, um pôster sobre a minha cama em letras garrafais: LOVE WILL TEAR US APART sobre a estátua de um anjo de pedra.

Ouvi ao ponto de gastar o Closer, praticamente só o lado B, tão logo voltei de Chicago em 1987. Era isso e a Nona de Mahler. Contra previsões sombrias, joydivisionianas, sobrevivi.

As três faixas finais -- "Twenty-four Hours", "The Eternal", "Decades" -- compõem um dos panoramas mais sombrios e desoladores da história do rock. Thom Yorke bebeu aqui.

Quando este disco saiu, Ian Curtis, que sofria de depressão e epilepsia, para a qual tomava medicação de todo incompatível com o álcool que ingeria, já estava morto. A voz de barítono distante e aparentemente gélida que canta quatro vezes "Where have they been?" sobre uma camada de mellotron é, portanto, uma voz que vem já do lado de lá e este lado de lá é frio, escuro, solitário.

Desespero igual só encontro em La Stagione per Morire (1972), do cantautori italiano Mauro Pelosi. Outro disco que amo.





Igreja de Santo Afonso na Tijuca ::: Mosaicos de Pastilhas



Aquela cena de Interiors (1978), do Woody Allen :: Arthur e Eve se encontram em uma igreja para a DR final. Pouco antes do doloroso assunto, Eve, ainda esperançosa de uma reconcilação, fala dos belos mosaicos da igreja romanesca em Nova York, como que sugerindo "e ninguém se importa"...

Não se trata de bairrismo, mas tirem o piso maravilhoso ali da Santo Afonso e coloquem-no numa Basílica del Gesù qualquer da Itália.... não haveria legião caindo de quatro para examinar cada pastilha?

A igreja foi concluída em 1907, mas o piso em mosaicos é do início dos anos 30. Os trabalhos são qualquer coisa de excepcional, seja quando abstratos (expediente mais comumente encontrado por aí), seja quando figurativos. As combinações de dourado sobre azul, dourado sobre rosa  são tão insólitas quanto magníficas.

Figurativos e altamente simbólicos, contam toda uma história, história que não ouvi ainda. Será o caso de sentar-me com alguém da igreja certa tarde de quinta-feira para ouvi-la.

Por enquanto, fique o registro, ainda incipiente.















A cena de Interiors aqui: