Tuesday, September 30, 2014

O Sexismo Nosso de Todo Dia



Na manhã de sexta leio texto escrito sob o ponto de vista de um bebê que pedia mais paciência para com ele que acorda de noite chorando. Pedia às mães. O texto, aliás, que começa com um "Querida mamãe", foi distribuído em curso de gestantes em uma maternidade em Curitiba. Como em momento algum o bebê se dirige ao pai, infere-se que pais nunca acordam de madrugada para cuidar do bebê, já que tomaram cerveja demais e agora precisam roncar. E no dia seguinte vão para o trabalho.

Na manhã desta mesma sexta a babá do meu filho, depois de encontrar o quarto deste arrumadinho, vem à minha companheira elogiar e agradecer. Só que quem arrumara o quarto tinha sido eu.

Na terceira cena desta mesma sexta-feira, a última de setembro de 2014, eu e minha companheira encontramos à noite com um amigo meu no ônibus. Conversa vai conversa vem, contamos a ele que almoçamos em casa peixe com molho de camarão, feito por nós. Ele sorri e replica: "Feito por você, né?", dirigindo-se à minha namorada. Só que euzinho aqui é que tinha feito o peixe e o molho de camarão. Lembro agora que eu é que tinha feito a feira também, onde comprei um e outro.

Nas três cenas descritas, sexismo (como quando comprei pijamas para o Dante aqui)

Nas três cenas não se acredita que o homem possa cuidar do filho, cuidar da casa, cozinhar. Não se acredita que ele possa fazer isso bem. Quando faz, é sempre de maneira desastrada, a fralda mal colocada, o talco colocado no leite, o lençol usado como fronha, a comida queimada :: amplo repertório para anedotas de salão. Nos três casos privilegia-se a visão da mulher responsável e organizada em detrimento do homem irresponsável ou, no máximo, bem intencionado ("ele até ajuda, mas...").

Poderíamos pensar em misandria / androfobia aqui, e, de fato, há. Mas acho que tudo fica ainda mais na esfera nefasta do machismo, pois se quer perpetuar posições estereotipadas: ao homem, o mundo externo (e político), à mulher, o ambiente doméstico.

Caímos na balela da "the hand that rocks the cradle / is the hand that rules the world". O homem é enxotado da cozinha, do quarto da criança, já que o seu lugar é a sala e, claro, o mundo externo. Fingimos assim investir as mulheres de um grande poder para, ao fim e ao cabo, privá-la realmente deste. Afinal, cuidar dos filhos, arrumar a casa e cozinhar são atividades de menor prestígio.


(E, olha, eu nem acho. Mil vezes cuidar do Dante e escolher molhos para o peixe)

(Texto meio confuso. Mas de um jato. E a etiqueta é cask strenght. E de olho aqui, que o Dantinho já acorda)

Monday, September 29, 2014

Cada vez mais leve de tanta morte



Descubro na prosa de Herta Müller decassílabo. Quase perfeito no ritmo, mais que perfeito na imagética :: "Cada vez mais leve de tanta morte". A tradução é de Ingrid Assmann.

Um decassílabo desses não se perde assim. Daí escrevo poema que o aproveita como mote. Um meio-soneto.


esquecidos na casa que apodrece
casco de barco esquecido afundado
os dias  pegajosos se arrastam
agarram-se às paredes como moscas
presas ao breu do papel amarelo

se o peso é insuportável o corpo é leve
cada vez mais leve de tanta morte

Sunday, September 28, 2014

Grajaú Faz 100 Anos II (Ou Instagrajaú)

Publiquei aqui uma pequena coletânea de fotos do Grajaú que postei no Instagram. Segue outra antologia e ainda falta coisa.

PS: Com direito a uma esticadinha até a Aldeia Campista.











  






Cervejaria Grajaú


Dia 27 de setembro é dia de caruru na Bahia e, com este pretexto, disse à minha baiana que ia à Caruaru pegar doces.

Explico :: incrível, vivi para ver uma cervejaria em meu bairro. E, assim, já não posso morrer agora, pois hei de fazer bom uso dessa proximidade.

O boom cervejeiro no país do tchan e das cervejas de milho e arroz chega a níveis verdadeiramente auspiciosos e assombrosos, em quantidade e qualidade.

Foi-se o tempo em que eu chegava sequioso a um bar com cervejas especiais / artesanais e corria para passar os olhos na seção da Bélgica. Agora quero mais é saber das novidades locais: tem breja mineira nova? Tem chopp da Amnésia? Tem a linha completa da gaúcha Tupiniquim? Tem alguma caseira por aí sem rótulo e sem MAPA dando sopa? É isso que quero. E Bruxelas é apenas uma fotografia esmaecida.

Dirão que exagero. Sou levado a. Ou rebato que a American Pale Ale e a Weiss da ótima Cervejaria Grajaú me põem comovido como o diabo. Rodrigo e Altino capricharam.

Em visita ao seu quintal e às suas panelas sou muito bem recebido. E bebo direto da teta da vaca.

Os nomes das meninas naturalmente homenageiam ruas do bairro, que nós grajauenses somos bairristas sim, senhores. É Marechal, Isabel, Isabelita, Araxá, 541....

Só acho que a India Pale Ale deveria se chamar.. Gurupipa. Fica aqui a sugestão.

E terá sido este um dos melhores presentes no centenário do bairro.

 






Alabardas, Espingardas



Dia 2 de outubro agora não é apenas o aniversário daquela que amo, é também a quinta-feira em que será lançado livro novo de José Saramago, aquele que amo.

Alabardas, alabardas, Espingardas, espingardas, tomado de empréstimo a Gil Vicente, é o nome da obra. Não gostei muito das intermitências, o elefante decepcionou um pouco, gostei do caim. Dos clássicos, é escusado dizer. Mas um Saramago novo é sempre um Saramago novo.

As ilustrações são do Günter Grass, vejam só.

Já falei do Saramago por aqui, aqui.

José para crianças, edição catalã. Da minha coleção.
 

Saturday, September 27, 2014

Mihaela Ursuleasa


Hoje não é dia apenas de São Cosme, São Damião e Doum. Hoje completaria 36 anos a pianista romena Mihaela Ursuleasa, morta aos 33 anos em 2012. Uma tragédia.

No vídeo abaixo ela demonstra sua verve na peça "Toccata", de seu conterrâneo Constantinescu.

Porque a música erudita romena não se restringe a Enescu.





Friday, September 26, 2014

Pastel de Tamarindo com Catupiri (No Centenário do Grajaú)



Ainda no bojo das comemorações do centenário do Grajaú, enchi-me de coragem para fazer um pastel com um dos símbolos do bairro: o tamarindo (sobre o que já escrevi aqui).

Não se faz omelete sem quebrar ovos, não se faz pastel de tamarindo com catupiri sem colher o fruto. Passeio pelas aleias do bairro, em vão. Os poucos caídos no chão estão machucados imprestáveis, algum early bird fizera a colheita antes de mim. Vou à feira de sexta. Perguntar por tamarindo sob as tamarindeiras será como pedir pelo mar em Jericoacoara. À pergunta, os feirantes devolvem olhares incrédulos, giram os olhos (um dos gestos máximos de desprezo) e olham para as árvores. Explico e tal, mas tamarindo que é bom, nada. Avalio o que perco e sigo vagoroso, de mãos pensas.

Mas enfim consigo, ainda neste 2014. 

O tamarindo resiste ao descascar. Resiste ainda a que eu possa dele extrair quantia razoável. Esforço. Com o que tenho, sentindo-me Bocuse, faço uma redução, pra lá de mixuruca.

Enfim consigo e estamos ainda no sábado. À pasta de tamarindo junto no pastel catupiri e a pimenta com mel que trouxe do Capão.

O resultado final é pouco acima do sofrível.





Concerto para Trombone Bem Passado



Há pouco escrevi aqui sobre a parca literatura de concertos para trombone. E não mencionei o ótimo T-Bone concerto, uma peça para trombone e orquestra (sopros) do compositor holandês Johan de Meij (1953). A destacar o humor já no intraduzível título, um concerto para trombone chamado T-Bone... Seus três movimentos? Rare, Medium, Well Done, isto é, Mal Passado, No Ponto, Bem Passado. Depois dizem que não há humor na música erudita, como se coisas como funk e metal também não se levassem a sério de mais.

Sobre a obra, para quem tem medo de música erudita contemporânea, ótimo exemplo de acessibilidade sem escorregar para a banalidade. Muito figurativo, cores e formas. Sem cair no Romero Britto.






Acima links para os dois primeiros movimentos. O motivo do segundo movimento lembrou-me a trompa, a famosa trompa, da primeira sinfonia do Brahms, aquela que emerge sobre a névoa. E a pequena aqui de casa tirou de ouvido num átimo e logo a transcreveu para flauta tranversa. No ponto.

Thursday, September 25, 2014

Crônicas Gregas 9 ::: Pistache



Para a maioria a Grécia são as ilhas e Atenas nada mais que o trampolim para Mikonos, Santorini e Creta.

Perdoai, Zeus, não sabem o que fazem.

Pode-se ficar duas semanas direto em Atenas (fiquei quase isso) sem risco de tédio. E se nessas duas semanas bater a vontade de fazer uma ilhazinha geralmente se pensa em Hidra, Salamina e, em menor escala, Egina. Foi esta que escolhi.

Pois em Egina fica o templo de Afaia, um das construções dóricas mais bem preservadas de toda a Grécia, que já me rendeu este soneto aqui.

E Egina é uma das capitais mundiais do pistache, cujo nome cientifíco é fistíki aegínis. Cerca de 25% da ilha é coberta pela árvore do pistache.

A especialidade regional do delicioso frutinho risonho é o glikó ::: pistaches verdes e maduros com mel.

Mas o melhor mesmo é comê-lo puro, salgadinho, comprado diretamente do seu produtor e vendedor favorito, no nosso caso Taso Koufodimo.

Coma antes de visitar a taberna. Coma durante a refeição. Coma ainda na volta a Atenas, no meio do Golfo Sarônico. Egina nunca mais sairá de você, principalmente depois do que você e a namorada fizeram em Afaia.


Taso


Tuesday, September 23, 2014

Sapatos Floridos no Telhado



Sim, já publiquei neste blog duas antologias de sapatos (o que não faz o ócio) :: aqui e aqui, a segunda inteiramente dedicada ao Quintana.

E, pior que isso, fiz mesmo um soneto em que falo do Quintana e seus sapatos floridos e eu e Dante em nossas (r)evoluções cotidianas.

Então qual não foi minha alegria ao descobrir no Hotel Majestic em Porto Alegre, onde o Bardo morou, uma oficina de arte Sapato Florido. Fica lá no alto do hotel, perto do telhado. Local, convenhamos, apropriado mesmo para sapatos. Floridos.

 





O soneto para o Dante, já recitado pelo ator Milton Gonçalves, é este aqui :::

SAPATOS FLORIDOS

Peguei sapatos velhos do meu filho
(tão pequeno e já tem sapato velho!)
e neles plantei flores, como quis
o Quintana: margarida, tomillho,

alcaravia, hortelã, sempre-viva.
O mundo é o mundo desde que nasci
(Ficará rodando depois que formos)
Tu não me enganas, velho, e não te engano a ti.

E se ele estanca em suas engrenagens
se parece que tudo perde o viço
lembremos antes que a manhã acabe:

a vida com pequenas sabotagens
é possível; na área de serviço
fazemos nossa primavera árabe.

Crônicas Gregas 8 ::: O Museu de Instrumentos Populares



A palavra música, todos o sabemos, é grega. A palavra museu também. Então do Museu de Instrumentos Populares situado em Atenas, nada esperemos senão o melhor. 

Não está no top 5 das listas, talvez por tratar de coisas novas demais para a Grécia. A coleção abrange instrumentos apenas do século XVIII para cá. Um museu vivo, museu das musas //Μουσεῖον//, não mausoléu. Vivo pela chance que temos de ouvir os instrumentos, mais vivo ainda por nos propiciar o esbarrar com as aulas ministradas in loco. Aqui, a professora de dança Arethi aprende bouzoki, ali a garçonete Popi Triantafillou tamborila o daouli, acolá o caminhoeiro Sócrates dedilha a lira, acoli porteiro Píndaro sopra a zurna.

Em Plaka, pertinho do hotel, fomos mais de uma vez.







 


Sunday, September 21, 2014

Vou pro México a Bordo de uma Kombi (Ou Começar Soneto do Final)



começar um soneto do final
é algo criticável, eu já li
mas Bilac fazia, então, meu velho
pô, desencana e não me leve a mal

já tenho a saideira, vou postá-la
vou pro México a bordo de uma kombi
apesar da sua erudição rala
é verso bem arrumadinho, hombre

mira :: os acentos todos colocados
a lutar com solavancos da estrada em
kombi pintada em tricolor perfeito


tu quer zoar? zoe :: quer zombar? zombe
quando o bicho pegar de não ter jeito
vou pro México a bordo de uma kombi

Gozando Junto IIIIIIIIIIII ::: Na Grécia





Reconheço certa repetição aqui. Mas eu repetira mil vezes. Antes de começar a repetir pra valer.