Sunday, June 29, 2014

Coleção de Águias II




Dando continuidade à coleção de águias desta muy leal (o kickoff está aqui). As águias, todos o sabemos, são espécie em seriíssimo risco de extinção. O espécime da primeira foto já despareceu. Ficava em casinha escondida naquela parte meio Grajaú meio Vila entre a Visconde e a Teodoro. Ao tirar foto já previ sua morte. Senti-me o próprio ornitólogo taxidermista que registra para eternidade o que logo morrerá.

O segundo exemplar é do Bar do Carlinhos (qual o seu nome de pia?), no alto do improvável Morro do Pinto.

A terceira águia é de São Cristóvão, no Bar Tuiuti, rua do mesmo nome. O bar passou por reforma assassina, mas ao menos a condoreira alada foi mantida. O que tudo (a)paga.


Tuesday, June 24, 2014

Risotto ai Funghi



 
cogumelos frescos a terra
à pele e à boca
tão distantes de seus primos
cadáveres embebidos em formol
a faca em chamas a penetrar talos e anéis
a esfregar-nos
sua textura de anêmonas e clitóris

o almoço pode esperar a cozinha
gira sozinha ao redor das mãos

Thursday, June 19, 2014

Pluviôse ::: Baudelaire



Tem o Solar da Marquesa seus esquisitos (castelhanismo needed) afrescos, que passam por reforma.

Reparem como esses anjos desalados têm a cara de Baudelaire. Ambos, mormente, o da direita.

E agora que o céu desaba sobre os telhados do Grajaú, lembro-me de Pluviôse, irritado, na tradução de Ivan Junqueira.



Pluviôse, contra toda a cidade irritado,
De sua urna verte um frio tenebroso
Sobre os que moram sós no cemitério ao lado,
E entorna a morte no subúrbio nebuloso.

Meu gato em busca de onde estar aconchegado
Agita inquieto o corpo flácido e asqueroso;
A alma de um velho poeta erra pelo telhado,
Com lúgubre voz de um fantasma brumoso.

O bordão se lamenta, e a tíbia acha de lenha
Acompanha em falsete a pêndula roufenha,
Enquanto num baralho, entre ácidos odores,

Herança de uma velha hidrópica e entrevada,
Um valete e uma dama, em sinistra jogada,
Vão lembrando entre si seus defuntos amores. 







Spleen

Pluviôse, irrité contre la ville entière,
De son urne à grands flots verse un froid ténébreux
Aux pâles habitants du voisin cimetière
Et la mortalité sur les faubourgs brumeux.

Mon chat sur le carreau cherchant une litière
Agite sans repos son corps maigre et galeux;
L'âme d'un vieux poète erre dans la gouttière
Avec la triste voix d'un fantôme frileux.

Le bourdon se lamente, et la bûche enfumée
Accompagne en fausset la pendule enrhumée
Cependant qu'en un jeu plein de sales parfums,

Héritage fatal d'une vieille hydropique,
Le beau valet de coeur et la dame de pique
Causent sinistrement de leurs amours défunts.

Wednesday, June 18, 2014

O Jardim da Quinta de São Cristóvão.... já não há




No mesmo dia em que descubro um botequim em São Cristóvão chamado Xodó Portugal numa rua que atende por Gotemburgo (e eu vestia a camisa da seleção sueca), descubro que o impagável bar Jardim da Quinta, templo da vascainidade da mítica Dona Olinda, já não é ::: tem novos donos, fizeram as reformas todas, acabou.

Para uma cidade que se só preocupa com sua orla e com sua zona sul, isso talvez não signifique nada. Pois saibam que muito dono de restaurante e de bar além Rebouças veio até a Dona Olinda provar, aprovar e aprender como se faz empada de camarão. Eu provei, morro tranquilo. Inigualável.

A funcionária do novo estabelecimento não foi insensível ao meu enorme desapontamento. Disse que o bar estava muito feio, ao que redargui "Eu achava lindo". Bem, ao menos, miraculosamente, mantiveram os azulejos laranjas de frutas dos anos 70, por dentro e por fora.

E achava mesmo, nem é coisa de intelectualóide. O bar de pouquíssimos lugares, seu rígido horário de almoço, o garçom e a filha severos, mas que se deixam conquistar. E a Dona Olímpia, índia minhota arredia, que foge das fotos como pode. Isso explica os meus registros fora de foco.

O Quinta de São Cristóvão não se transformou em outra coisa. Ele morreu. E me alegra ser mortal para um dia reencontrá-lo lá em cima e sentar na mesa de fórmica azul, pedir uma cerveja e perguntar pergunta retórica Ô, Dona Olinda, tem empada hoje?








Dona Olímpia ::: saudades


Monday, June 16, 2014

E Bambi Fossati, o Hendrix italiano, se foi




Nem havíamos nos recuperado do trágico passamento do Francesco Di Giacomo quando somos surpreendidos pela notícia de que Bambi Fossati, o Hendrix italiano guitarrista do Garybaldi, também partiu.

Garybaldi? Tenho a discografia completa: dois clássicos dos clássicos 72 e 73 e mais alguma coisa adiante. O que mais amo, longe, é o lado 2 do Nuda, as canções mais progressivas e não tão blueseiras compondo a suíte "Moretto de Brescia". Mas para mim a suíte começa já na última do lado 1, "Goffredo".

E este Nuda veio muito bem vestido na mais linda capa do rock progressivo italiano dos anos 70 : o traço absurdo do Guido Crepax. O ELP não conseguiu que o Dalí fizesse a capa do Trilogy. O pequeno Garybaldi... quem precisa de Dalí quando se tem Crepax?








Thursday, June 12, 2014

A Croácia e sua Famigerada Camisa



Há uma semana chegou-me pelo correio a camisa da seleção de Zanzibar, presente do amigo João, que por lá andou. O mimo encheu-me de júbilo, de vez que, até onde sei, sou o únco grajauense possuidor de tal tesouro. A camisa vem somar-se à minha coleção que já inclui Malta, Tunísia, Sri Lanka, Guatemala, Índia, para citar apenas algumas.

Mas caso o João visite a Croácia e suas belas praias, dispenso a camisa da seleção. Não sei se sabem mas os famigerados quadradinhos vermelhos e brancos fazem alusão à Ustasha, a bárbara organização croata de extrema-direita que perpetrou um verdadeiro genocídio de sérvios, judeus e ciganos durante a II Guerra.

Quando os nazistas invadiram a Iugoslávia, em 1941, os croatas, em vez de combateram os invasores, aliaram-se a eles para levar a cabo o seu Holocausto doméstico. Aliás, os croatas da Ustasha cometiam barbaridades tão atrozes que chegaram mesmo a chocar alemães nazistas e italianos fascistas.

O Vaticano, claro, fez vista grossa. Afinal, os croatas eram católicos a limpar a santa Croácia dos cristãos ortodoxos. E, repito, de judeus e ciganos.

É possível afirmar que os quadradinhos já existiam em bandeiras croatas antes da Ustasha, no século XIX. Mas estampá-los na camisa da seleção de futebol é, sim, fazer alusão a este passado mais recente do país. No mínimo, uma provocação. Seria algo como, sem exagero, a seleção alemã bordar em sua camisa a suástica. Poder-se-ia sofismar que o símbolo não foi criado pelos nazistas, é muito mais antigo etc. Oras.

Por isso, eu que não morro de amores por esta seleção do Brasil, hoje sou totalmente verde-amarelo. Diria mesmo: brasileiro desde criancinha. Que a Croácia perca todos os seus jogos enquanto estampar com orgulho este pedaço de sua história sádica.


Avante, Zanzibar!


PS: Mas livrinho em croata eu tenho, e não há contradição aqui!

Wednesday, June 11, 2014

Três Ronaldos



Dos três Ronaldos, o Gaúcho ao menos conquistou a Libertadores pelo Atlético, time da minha simpatia. Conquistou aqui e ali coisas de menor monta. Teve (tem?) momentos geniais ao lado de outros esquecíveis. Mas futebol é assim mesmo. Na Copa de 2006, quando tanto se esperava dele, pisou feio no tomate. Mas Copa é assim mesmo.


Ronaldo, o Ronaldo Gordo. Perfeito sucessor do Pelé no quesito falar merda. Aliás, superou o mestre. Pelé era / é meio sem noção. Ronaldo tem noção, cousa mais grave. Como jogador, esforçado. Consegue alguma coisa desde que o time jogue em sua função. Junto ao Oscar do basquete, é exemplo cabal do esforço patético da mídia em nos impingir "ídolos" goela abaixo. Não tem carisma, nunca teve genuína aceitação por aqui. Conhecedor disso, seu assessor de imprensa mandou que se declarasse torcedor dos times mais populares do Brasil. Vacilou feio com um deles. Se é querido pela torcida do Corinthians, isso só depõe ainda mais contra ele.

Cristiano Ronaldo é um craque. Uma diva? É um fora-de-série.

PS :: Esta Copa não me empolga muito. Mas torço muito pelo Klose.

Sunday, June 08, 2014

Nílton Muito Bravo




Enfim descubro por acaso o que provavelmente é o maior painel do Nilton Bravo (aqui e muito mais pelo blog) na cidade. Não está em um boteco, mas no Restaurante Sírio e Libanês, no Saara.
Seus indefectíveis ipês e flamboyants cedem lugar aos cedros e se o quadro é tingido por inevitável orientalismo, este não é de feição belicosa, mas sim bucólica e mesmo bíblica, o que não impede alguma sensualidade no tratamento das moças que levam seus cântaros ao poço.
Pelo que sei, posso estar desatualizado (tomara), o único Bravo tombado na cidade é o do Bar Sulista, na Gamboa. O Sírio e Libanês já passou por reforma e tiveram o bom senso de preservar o painel. De qualquer modo, o tombamento me parece imperioso. Inda mais em uma cidade que se diz orgulhar tanto de seus botequins e de sua cultura.






Haikaizão para o Lobinho





Na sexta fiz um haikaizinho pro Lobão

Lobão diz que viajou
50 anos a mil.
Pra parar onde parou?


Só pra encerrar a pequena série, tenho mais o que fazer, um haikaizão para o Lobinho.

Haikai é tão pequeno, não pode ter epígrafe. Mas este tem, pois o The Clash cai perfeito.


Haikaizão para o Lobinho

He who fucks nuns will later join the Church.
 
The Clash


FEZ ROQUINHOS, CHEIROU, COMEU A PRIMA,
HOJE, À BASE DE CARQUEJA,
FAZ SUAS LETRAS PRA REVISTA VEJA.

Wednesday, June 04, 2014

Mussarela na Carruagem ::: Antepasto Italiano

Mozzarella in Carrozza ("Mussarela na Carruagem") é antepasto típico da Campanha, sul da Itália. Grosso modo, um "queijo quente", só que não grelhado, mas sim frito depois de passar em ovos e ter as bordas do pão de forma empanadas com farinha de trigo. A mussarela, claro, é de búfala, e não essas lascas de sola de sapato encontradas nos nossos melhores mercados.
 
Mas o prato é coisa de pobre, de campônios, tal a sua simplicidade. Nunca vi em restaurantes por aqui. Se chegar, irá ganhar pompas e custar 60 reais a porção.
 
Usamos farinha de rosca. Aliás, já entrevemos variações mil para a iguaria.
 



A seguir veio um risoto, e tinha tempo que eu não fazia um. Este saiu com presunto cru, palmito de açaí e a mesma mussarela de búfala do antepasto.




Acompanhamento (para o antepasto) :: um Malbec reserva. Se preferir cerveja encorpada, a Kwak, que é cerveja dos carroceiros.

Acompanhamento musical :: La Carrozza di Hans, da Padaria Marconi.


Tuesday, June 03, 2014

Copa do Mundo :: Vi Bandeiras Enormes



Não gosto de saudosismo e repudio o mito da Idade do Ouro, mas na Copa de 1974 um sujeito comprou 5000 bombinhas na minha rua e as distribuiu por toda a Visconde de Santa Isabel. Em 78 foi uma loucura, a Copa aqui tão perto, quando o Brasil conseguiu a sofrida classificação para a fase seguinte (gol do Roberto), fomos todos participar dos buzinaços.

Mas 1982 foi fueda. O time impecável, a festa nas ruas. Não houve uma única -- única -- rua nesta cidade que não não estivesse linda e espontaneamente enfeitada. Muitos artistas naceram ali, dibujando Naranjitos.

Em 1986 não foi diferente. As ruas ficavam como a Marquês de Sapucaí, fosse Anchieta, Tijuca (célebre sempre), fosse Ipanema. Na Barra não sei, que ali está mais pra Brasília. Ou Miami. Lindeza. Algum antrópologo em formação? Algum leitor de Cascudo? Esquece Xingu, esquece o saci, desce ali, vai ver a comunidade se organizando para enfeitar a rua.

Em 1990 já não foi igual. Nem em 94. Conquistamos o título? Insipidamente. 98, 2002, 2006 e 2010 serviram para mostrar que essa história de enfeitar as ruas era já coisa do passado. A Globo fez concurso pra eleger a rua mais bonita. Lindo. Virou escola de samba. Tudo vira esporte, tudo vira competição. Tornar oficial o espontâneo. A Jorge Rudge se organizou, criou técnico disso técnico daquilo. Sigh. Hoje até a Jorge Rudge cansou.

Temos a Alzirão e coisas do tipo. Impulsionada pela ImBev. E enfeitar ruas que era manifestação pura da arte popular, e ainda mais do que isso, morreu.

E não. Não vejo consciência política aqui. A discussão pode ter inúmeros desdobramentos e mesmo chegar à mesquinhez PT X PSDB. E não vejam aqui saudosismo ou Idade do Ouro. Quanto à atual seleção, não tem a menor identificação com o povo, por mais que mídia tente. Mas não é só isso.