Wednesday, February 19, 2014

Crônicas Gregas 4 ::: Os Rebétika




A noite ateniense é uma festa, em que pese a taxa de desemprego do país em 35% (ou por isso mesmo?). Estivemos por duas vezes em tavernas com música ao vivo, mas apesar dos buzuquis, saí com a nítida impressão de não ter ouvido nenhum rebétiko autêntico. Isso menos frusta que alegra: é motivo certo para voltar.
Mas não regresso de mãos vazias, pois trago CD dos mestres Bambakaris e Tsitsanis, reunindo gravações que vão de 1936 (!) a 1979, com o foco na segunda metade dos anos 40, isto é, exatamente os anos do pós-guerra.

Cito Lacarrière: “canto, lamento e grito dos solitários, dos abandonados à própria sorte, dos deserdados, mas também, frequentemente, dos rebeldes ou insubmissos, o rebétiko ficará para sempre ignorado – e sobretudo recusado – pela sociedade bem-pensante até  a Segunda Guerra Mundial. Permanecerá confinado em seu próprio meio, no interior das tabernas características chamadas tekke ou dounia, onde as pessoas se entregavam ao haxixe. (...) Assim, durante pelo menos meio século, os rebétika constituíram um mundo paralelo, quase clandestino, que só imergiu do isolamento depois da guerra.”

Eu diria que os rebétika não imergiram de todo de seu mundo de sombras e será essa – a sombra – uma de suas características. Nas tavernas em que estive rolava uma música mais palatável, muito querida pelos locais, mas muito mais apolínea que, digamos, rebétika. E motivos para que novos Bambakaris e Tsitsanis surjam (o desemprego, a humilhação, o rebaixamento do AEK para a terceira divisão) não faltam. Conquanto, claro, que o vinho resinado e quem sabe mesmo o narguilé de ervas raras corram à larga.

Fiquem turistas rasos com as apolíneas Acrópole e Ágora Antiga, em algum subúrbio, colateral à sua história e aos seus mitos, algumas sombras emigradas, retornadas, reaparecerão, não como Ulisses, mas como Orestes ou Agamemnon, para cumprir terríveis oráculos. Essas profecias, ou os mesmos oráculos, repousam (inquietam-se) no seio dos rebétika.



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