Monday, February 24, 2014

Lagoa Rodrigo de Freitas circa 1940 ::: Registro Familiar



Não está nas pessoas o punctum da foto, se bem que todas as quatro extraordinárias: o bisavô que não conheci, o tio materno uma criança angelical, quarenta anos antes de fazer formidáveis filhas-da-putices e romper com a família, coisa de que minha avó jamais se recuperaria, e o par que lhes é simétrico -- criança e adulto -- inteiramente desconhecidos. Moravam estes na casa de madeira? Era ele um pescador? Isso jamais JAMAIS saberei.

O punctum da foto está nesta quinta personagem, a casinha de madeira, a lembrar casas de Santa Catarina, a lembrar casinhas de boneca.

O que é verdadeiramente extraordinário é que o pedaço de água ao fundo é a Lagoa Rodrigo de Freitas, no começo dos anos 1940, na altura do Cantagalo.

Se fosse do século XIX seria mais fácil de aceitar.

Sunday, February 23, 2014

Crônicas Gregas 5 :: Uma Estela Funerária Copta



Museu não tão badalado em Atenas, o assombroso Museu Bizantino guarda este tesouro, esta estela funerária copta do século III.

O assombro reside menos no estado de conservação que no semblante dos jovens mortos: felizes, unidos, a acenar-nos do lado de lá.

Eternamente do lado de lá.
 
 


 

Meu menino intransitivo



por quantas vezes estendi as mãos
em direção àquilo que eu sabia
não poder encontrar :: alguns pedaços
deste que seria tu mesmo, meu
menino intransitivo, sempre além
tua urgência tua insistência teus rituais
transmudados muitas vezes em fúria
no oco de uma qualquer noite espúria
por quantas vezes dias tão iguais
a fatiga dos desencontros sem
que eu entenda o que foi que se perdeu
e eu não menos exilado :: olhos baços
em permanente atrito a dislalia
o nosso estar no mundo :: nossas mãos
 
 

 

Saturday, February 22, 2014

Já não precisas levantar os pés




enfim levantaram-se Baltasar e Blimunda, agarrando-se nervosamente aos prumos, depois à amurada, deslumbrados de luz e de vento
Saramago

foge comigo esta manhã
Rodrigo Ferrão


 

foge comigo nesta manhã quero
exatamente como tu acordas
pálpebras reticentes (valerá
a pena?) tua boca duvidosa
foge comigo nesta tarde agora
as cigarras prometem o melhor canto
extraído da noite mineral
a ensurdecer as casas de ambrosia
foge comigo nesta noite então
quando qualquer ruído enlouquece os cães
já não precisas levantar os pés
vem qual criança perdida e assustada
onde estiveres fecha os olhos sonha
te sonho no refúgio dos assombros

Friday, February 21, 2014

Francesco Di Giacomo (1947-2014)

 
 
Impossível não recorrer ao belo título do belo romance de Marçal Aquino: Eu receberia as piores notícias do seus lindos lábios, pois foram lábios amados que me comunicaram hoje a morte trágica do grande Francesco Di Giacomo. Pequeno consolo.

Costumo dividir as grandes vozes do rock progressivo italiano em dois grupos: as doces (pense num Aldo, do Le Orme, num Henryk, do Reale Accademia di Musica) e as roufenhas (Stefano, do Museo, Alvaro, do Jumbo, Leonardo, do Locanda Della Fate).

Acima destas, inclassificáveis e inimitáveis: Demetrio Stratos do Area (escrevi aqui), Alan Sorrenti (escrevi aqui) e, claro, Francesco.

Numa época de grande efervescência política e cultural, que sempre se espraiava para a música, muito se discutiu se era possível cantar rock em italiano. Francesco Di Giacomo meio que pôs fim a essa discussão tola, roubando (ou tomando emprestado, rasurando) o que havia de mais típico e sacrossanto da música vocal italiana -- a ópera -- para usar na música progressiva que então se fazia. Atitude pós-moderna radical, intrinsicamente progressiva.
 
Se o Banco del Mutuo Soccorso foi uma banda progressiva completa, Francesco foi seu vocalista completo: ótimo timbre, grande alcance, sensível interpretação, além de pesquisa e ideias.
 
Sinto-me honrado de o ter visto e ouvido de perto em show no Rio em 2000.
 
 
 
A triste notícia pode ser lida aqui.

Thursday, February 20, 2014

TRANSATLANTIC



Existem duas maneiras de se entender ou fazer rock progressivo: considerá-lo um estilo musical ou considerá-lo uma 'abordagem', uma filosofia perante a música, mais especificamente o rock, embora quem 'siga' esta segunda maneira acabe por produzir coisas amiúde muito distantes do rock. Uma terceira abordagem, que entende o rock progressivo como um estilo de época é tão desprezível que nada merece senão o desprezo merecido pelos desprezíveis.

Quando pensamos no supergrupo Transatlantic parece-me óbvio que eles encaram o rock progressivo como estilo musical. Parênteses: o termo super aqui não é apenas laudatório. Superbandas são aquelas criadas com músicos já conhecidos por sua excelência no métier. Cream foi a primeira superbanda do rock, ELP, a primeira do rock progressivo, Il Volo, um supergrupo do progressivo italiano.

Ao reunir músicos do Spock's Beard (e solo), Flower Kings, Marillion e Dream Theater, o Transatlantic é o grande exemplo do rock progressivo contemporâneo de uma superbanda, para o bem e para o mal.

Por muito tempo, contrariando axiomas, a soma do talento dos quatro não apenas não era igual, mas menor que a soma das partes. Quando eles ainda tinham que estampar na capa dos álbuns SMPTE e colar adesivos lembrando-nos de suas origens gloriosas, faziam música demasiado formulaica e derivativa.

Isso começa a mudar com The Whirlwind, terceiro trabalho lançado nove anos depois da estreia. Neal ajuda Roine a aparar os excessos e conseguem arredondar suítes longas (marca registrada) de maneira admirável, como só um grande músico do rock progressivo ou da música erudita consegue. NMHO, até Beethoven pode vir a falhar aqui, produzindo chatices adiposas como o concerto para violino.

Com Kaleidoskope, mais um passo foi dado. Transatlantic toca aos quatro ventos ::: somos uma banda de rock progressivo, não temos vergonha disso. Fazemos longas suítes, recorremos a chavões, a melodias simples, a letras singalong, mas tudo com tanta tanta soberba maestria. Na primeira ouvida, somos pescados. Na segunda, saímos assobiando. Na terceira, tudo é tão familiar que pensamos mesmo que fomos nós que escrevemos aquilo. E aquilo é de uma lindeza do cacete.

Transatlantic é o big mac do progressivo, o vinho Barolo, a massa suculenta, a Oitava de Mahler. Fiquem outros com as sutilezas e dificuldades, aqui é a celebração apolínea, solar. O próprio CD bônus explicita o ser / fazer rock progressivo desavergonhadamente (viu, Steve Wilson?): covers de Yes, King Crimson, Focus, Moody Blues, Procol Harum.

O Grando Funk estampou em 73: We're an American Band; o Transatlantic alardeia We're a Progressive Band! Para o delírio dos progheads que nunca se cansam e imploram mesmo só mais uma musiquinha, na esperança de tocarem ou bisarem uma suíte de 30 minutos.

E eu quero é mais. Agora que Neal aprendeu o caminho, que volte ligeiro para tocar clássicos do Spock's e o One e o ? de fio a pavio. E Roine, que já tocou em um pequeno teatro no Flamengo em show que me arrependo até hoje de não ter ido, volte com os Reis das Flores para iluminar a noite.

Wednesday, February 19, 2014

Crônicas Gregas 4 ::: Os Rebétika




A noite ateniense é uma festa, em que pese a taxa de desemprego do país em 35% (ou por isso mesmo?). Estivemos por duas vezes em tavernas com música ao vivo, mas apesar dos buzuquis, saí com a nítida impressão de não ter ouvido nenhum rebétiko autêntico. Isso menos frusta que alegra: é motivo certo para voltar.
Mas não regresso de mãos vazias, pois trago CD dos mestres Bambakaris e Tsitsanis, reunindo gravações que vão de 1936 (!) a 1979, com o foco na segunda metade dos anos 40, isto é, exatamente os anos do pós-guerra.

Cito Lacarrière: “canto, lamento e grito dos solitários, dos abandonados à própria sorte, dos deserdados, mas também, frequentemente, dos rebeldes ou insubmissos, o rebétiko ficará para sempre ignorado – e sobretudo recusado – pela sociedade bem-pensante até  a Segunda Guerra Mundial. Permanecerá confinado em seu próprio meio, no interior das tabernas características chamadas tekke ou dounia, onde as pessoas se entregavam ao haxixe. (...) Assim, durante pelo menos meio século, os rebétika constituíram um mundo paralelo, quase clandestino, que só imergiu do isolamento depois da guerra.”

Eu diria que os rebétika não imergiram de todo de seu mundo de sombras e será essa – a sombra – uma de suas características. Nas tavernas em que estive rolava uma música mais palatável, muito querida pelos locais, mas muito mais apolínea que, digamos, rebétika. E motivos para que novos Bambakaris e Tsitsanis surjam (o desemprego, a humilhação, o rebaixamento do AEK para a terceira divisão) não faltam. Conquanto, claro, que o vinho resinado e quem sabe mesmo o narguilé de ervas raras corram à larga.

Fiquem turistas rasos com as apolíneas Acrópole e Ágora Antiga, em algum subúrbio, colateral à sua história e aos seus mitos, algumas sombras emigradas, retornadas, reaparecerão, não como Ulisses, mas como Orestes ou Agamemnon, para cumprir terríveis oráculos. Essas profecias, ou os mesmos oráculos, repousam (inquietam-se) no seio dos rebétika.



Tuesday, February 18, 2014

Fachadas e Platibandas Cearenses



Um dos cinco livros mais bonitos do mundo de todos os tempos é o Pinturas e Platibandas, da Anna Mariani. Coleciono as minhas platibandas e fachadas e pinturas na esperança de um dia chegar lá. Não se trata de competição, mas de seguir trilhas de admiração.

E ela, que fotografou as platibandas de 1976 a 1995, ao menos teve a sorte de não encontrar pelas fachadas lixo de propagandas políticas, lixo de cervejarias. Em viagem do ano passado pelo Ceará, viagem pequena e ligeira, recolhi alguma coisa.








Pindoretama-CE 2



Como no post anteriror apenas fotos de gente, outras aqui.







Retornar a Pindoretama



Mexendo em baú de guardados, encontro várias fotos de Pindoretama que me agradam, porém não publicadas. Voltei lá em janeiro do ano passado. Esta viagem ao Ceará queria voltar aos lugares :: Fortaleza, Iguape (escrevi aqui) e Pindoretama.

Pindoretama é cidade que nada tem de especial. Pros outros. Para mim roça ombros com Iguape, tão diferentes entre si, tão ricas em lembranças aqui. Em Pindoretama busquei a casa em que me hospedei em 1991. Penso tê-la encontrado. Não havia campanhia. Bati palmas, chamei ó de casa e outros alôs. Por fim apareceu-me um jovem à janela, mandando-me embora com gestos. Insisti, também gesticulei e logo o percebi surdo-mudo. Levei meu dedo ao boca em vão. Ele fechou a janela e voltou para sua TV. Talvez algum simbolismo aí, não sei.







Monday, February 17, 2014

Roine Stolt e eu


O show do Transatlantic na semana passada na capital paulista proporcionou-me, dentre outras coisas, conhecer os supermúsicos da superbanda do progressivo e em especial dois a quem admiro há muito :: Neal Morse e Roine Stolt. Os dois, junto com o Steve Wilson, são dos maiores nomes da cena progressiva dos últimos 15 anos, seja em termos de excelência, seja em termos de enorme, a beirar o absurdo, prolificidade.

Confesso que fiquei meio abestalhado na hora, mas não perdi a chance de contar ao sueco um segredo. Confesso que fiquei meio abobado ao conhecer o Portnoy, o Trewavas o Stolt, o Morse, nesta ordem.

Para o primeiro não tinha nada a dizer. "Você é um baterista monstruoso" é coisa que ele deve ouvir dez vezes a cada 15 minutos. Para o Trewavas também pareceu-me pueril algo do tipo: "Olha, você é um baixista do cacete e já estou sonhando com os dois show do Marillion em maio", de modo que nada falei, mas dele ouvi o elogio ao Magma, que eu trazia na camisa.

Para o Morse eu confundi tudo, queria dizer que toco há anos a música "Wind at my Back" para os meus alunos e acabei dizendo que eu tocava Snow. Plé.

Mas com o Roine, com quem eu já trocara alguns e-mails em 2008, quando andei por suas terras, acertei. Disse-lhe o seguinte:

"Olha, há alguns anos, quando eu me dilacerava com a dúvida de ser pai ou não, foram as três últimas músicas do Solo (último disco dos anos 70 do Kaipa) que me fizeram escolher que sim, eu seria pai. Ele se chama Dante. He's five now."

Roine, que já demostrara surpresa quando lhe estendi o disco para o autógrafo, levantou os sobrancelhas, no que me pareceu um sincero espantoe respondeu: "Well, at least we have achieved something".
 
Yes, you certainly have.
 
 
 



 
 
PS: O encontro com os sujeitos antes do show, by the way, não teria sido possível sem a ajuda de dois amigos ::: Nilda e Paulo. Tack så mycket!!!

Sunday, February 16, 2014

O Iauaretê num Vitral em Belo Horizonte




Também Belo Horizonte passa por mudanças que conduzem, quase que invariavelmente, à verticalização, inchaço e, claro, uglification of the world (escrevi aqui). Em caminhadas pelo Brasil (Rua Rio de Janeiro, São Paulo, Piauí, DA Bahia) e seus indígenas (Aimorés, Guajajaras), surpreendemos ainda aqui e ali casas vistas por olhos do Nava, Drummond, Cyro, Guimarães, Otto, Fernando, Paulo. Parece pouco? Bastava esse argumento para a cidade ser inteiramente preservada. Mas enfim... sigh...

Em andanças recentes, passei por casa meio que bleak house, toda achaleisada à europeia. Não mais é casa de gente, convertida que foi em estabelecimento comercial (acessórios de.... aeromodelismo). O próximo passo, quando os aeromodelistas locais não mais derem o lucro ambicionado pelo proprietário, será.... Bem.

Da rua vislumbro vitral. Subo, peço, tiro fotos de um vitral parcialmente oculto por mercadorias. Trabalho belíssimo, em que um mineiro da capital (profissional liberal? funcionário público do alto clero? fazendeiro???) manda pintar no vidro cenas das Gerais, os buritis, a vereda, as araras e a pintada.

Então era assim, tinha-se Iauretê ali, na sala de jantar, nos convidando a beber cachaça, desonçar o mundo, até a língua picar de areia ou, mais, tornar-se parte da tribo das onças.
 


 

Crônicas Búlgaras 4 ::: A Catedral de Alexander Nevski e Prokofiev




Lembram daquelas coleções de disco clássico vendidas em banca de jornal? Foi por meio de uma delas, em 1985, que conheci Prokofiev (já aqui), desde então um de meus compositores preferidos. E o disco nem era meu, mas emprestado de amigo. Se o intuito dessas coleções era tornar a música erudita um pouco mais acessível, bem, conseguiram.

E a obra nem era das mais populares desse ucraniano que tampouco é dos mais populares: a cantata Alexander Nevski. Aquilo ali, desde aquele começo poderoso sutil, escavou-me a alma. Uns três anos mais tarde adquiri gravação mais decente (a do Fred nunca devolvi) e depois, claro, comprei o CD junto da suíte Cinderela (que tem a introdução mais linda de toda a história da música universal).

A cantata nasceu da trilha-sonora que Prokofiev escrevera para o filme homônimo de Sergei Eisentein. A música, nacionalista, pode ser acusada de fazer concessões ao zdhanovismo? Bem, talvez. Mas sua beleza transcende o contexto em que foi produzida, servindo para qualquer embate entre a valentia de Nevski e os odiosos cavaleiros teutônicos. Cavaleiros teutônicos, by the way, que às vezes carregamos no peito.

Um de meus projetos de vida é ir à Rússia colocar uma flor no túmulo de Prokofiev. Explico: como o mestre morreu no mesmo dia do sanguinário Stálin, todas, mas TODAS as flores da União Soviética foram enviadas para o assassino. Não sobrou umazinha para o Prokofiev. Um homem que escreveu essa cantata sombria, pungente e redentora.

Enquanto esse dia não chega, conheço Sófia que tem sua linda catedral de Alexander Nevski. Aos domingos a missa é cantada, inesquecível. A igreja é mesmo búlgara: linda, linda, mas algo distante, misteriosa, altissonante. Fotografias eram expressamente proibidas. Todas as que tirei, portanto, são ilegais e como infrator estou sujeito às penalidades da legislação em vigor.


 

Wednesday, February 12, 2014

Crônicas Gregas 3 ::: Uma Camisa de Futebol




Como coleciono camisas de futebol, qualquer viagem, seja para o Cariri seja para capital europeia, é sempre chance de aquisições. Claro que sei que na internet posso comprar de tudo ou quase, mas não é mesma coisa.

Sabia que Atenas possuía três times importantes, dos mais importantes de toda a Grécia: o Olympiakos (ΠΑΕ Ολυμπιακός), a Panathinaikos (Παναθηναϊκός Αθλητικός Όμιλος) e o AEK. Já ouvira mesmo falar deles por alto já que acompanho (por alto) campeonatos europeus. Desde os primeiros passeios deparei-me com lojas de lembranças com camisas dos 3 (não tanto do AEK) e em infinitas andadas pela Plaka, Monastiraki e Psírri, encontrei mesmo as respectivas lojas oficiais. Sou colecionador de camisas de futebol, mas não a sério a ponto de só querer produtos oficiais, de modo que pago os 12 euros por uma boa réplica em vez dos 65 pela licenciada. (Arrá, e eu que sempre critiquei a pirataria de CDs!!!)

Enfim, satisfeito por perceber que não seria difícil adquirir os itens fui adiando a primeira compra até o dia em que saí pouco preparado para o frio grego (nada radical), de maneira que pensei: ‘bom, compro uma das camisas e já a visto por cima desta’. Comprei a do Olympiakos.

Pra quê.

Logo notei ser alvo de toda sorte de olhares: surpresos, odientos, simpáticos, infelizes, pasmos, odiosos. Ao parar em uma ótima loja de café, o ótimo gerente, com quem conversamos sobre Copa, corrupção, desemprego, Nikos Kazantzakis, advertiu-me no final: “Olha, cuidado com essa camisa. Eu mesmo sou torcedor do Panatinaikos, mas comigo tudo bem, mas pode ter gente que veja e não goste... Se você ainda estivesse nos Pireus...”. Seguimos nosso caminho rumo ao Museu Arqueológico. Lá, um dos funcionários diz: “Você é torcedor do Olympiakos?” Antes que eu respondesse que mais ou menos, que não era bem assim, que era só mais uma camisa para coleção, ele continuou: “Se é, não posso te deixar entrar....”. Mas disse num tom amistoso, e depois que soube de onde eu vinha confessou que no Brasil torcia pelo Botafogo. E repetiu a história dos Pireus.

Esqueci de mencionar: o gerente do café disse que ali na Grécia as pessoas eram muitos fanáticas, que torciam de um modo balcânico de ser. Aí, tremi. Lembrei-me de texto lido há anos sobre o Estrela Vermelha e de vídeo visto há pouco mostrando a recepção de torcedores a um novo técnico na Bulgária.

Mas não tirei a camisa. Numa praça, um grupo de jovens virou-se à minha passagem, olhando-me entre perplexo e zangado; um motorista dirigiu-me palavras em seu bom grego, e no Mercado Municipal dividi o mar, com alguns peixeiros e açougueiros e azeitoneiros gritando “O-lym-pia-kos!!!” para receber sonoras vaias e gritos de Panatinaikos.

A rivalidade entre Olympiakos e Panatinaikos é tal a ponto de o clássico entre os times ser chamado de Clássico dos Inimigos Eternos. Acho que, por perceberem-me turista, pegaram leve. Poderiam chegar e exigir que eu tirasse a camisa ou coisa do tipo? Pode ser, principalmente, claro, fosse dia de jogo. Mas aí eu não seria tolo. Afinal, vascaíno em uma família de von Sydows flamenguistas, sou escolado já.
 
PS: Comprei também a camisa do Panathinaikos. Mas acho que escolhi já meu time grego.

Monday, February 10, 2014

Crônicas Gregas 2 ::: I need a FIX



Com exceção da SEPTEM, uma microcervejaria extraordinária de que falarei em breve por aqui, a cena cervejeira grega é humana, demasiado humana, nada tendo de divina. Mythos, Vergina, Alpha, Hellas são pilsens normaizinhas, produzidas, é fácil crer, para um povo que vai pra lá em busca do sol e do sal das ilhas.

Todas as citadas sendo, entretanto, superiores à tríade Brahma-Skol-Antarctica, este lixo cheio de milho e arroz que a Inbev nos impinge goela abaixo.

E tem a FIX. A FIX é outra pilsenzinha ordinária, com a vantagem de me fazer lembrar uma das canções favoritas dos Beatles: "Happiness is a warm gun".

Não estou sozinho. Esta música (uma colagem de três esboços, algo tão Lennon) é também a preferida do George e do Paul. Esta música, aliás, é uma das poucas do disco branco em que a banda soa como banda, já que o disco todo é uma colcha de retalhos de músicas solo.

Porque John canta "I need a fix because I'm going down,,,,". Claro que seu fix aqui era bem outro, mas isso não importa.
 

PS: Lembrei: por ocasião da morte de John, a revista Veja, que já era ruim mas não esta vergonha idiota que publica coisas de um Rodrigo Constantino, dedicou-lhe a capa. Algumas letras foram traduzidas, pelo Millôr, excelente tradutor. Happiness estava lá.

PS 2: Esta a música que uso para ensinar aos meus alunos o que é uma metáfora!

Sunday, February 09, 2014

O tempo, cavalo estúpido, já não tem poder aqui





Em Afaia os minutos se eternizam
pois talhados da mesma substância
que reveste as colunas deste templo
e o canto na garganta destes galos
então cuidado, minha cara, o tempo,
cavalo doido e estúpido, já não
tem poder aqui, as palavras ditas
e o que se faz à sombra dos pinheiros
como que se instalam nos capitéis
da memória :: não haverá rotinas
não haverá segunda-feira nem
angústia ou dor que os possam macular
e tremo a mezza state ardendo il verno
em teus dedos o compasso do eterno


Crônicas Gregas 1 ::: O Gato Grego




Ele está por toda a parte: tem livre acesso às ruínas a nós interditas, toma de assalto praças e cafés como pombos. Desconfiado, como todo gato, mas nem tanto: alguns atendem ao chamado. É grande, como seu irmão romano. Vivem na Grécia há tanto que acredito mesmo que alguns presenciaram a Titanomaquia.
 

 


Friday, February 07, 2014

Crônicas Búlgaras 3 :: A Capital do VInho 2




Mas o melhor, não em termos de paladar mas de experiências, estava ainda por vir.

A caminho do Monastério de Rila, no alto de seus 1.100 metros, passamos por diversas cidades. A última é Rila mesmo, ainda um pouco distante do mosteiro, em que vislumbramos muitas vinícolas. Aquilo ali num outono deve roçar ombros com a paisagem piemontesa ou toscana. Chegando ao único restaurante aberto já próximo ao mosteiro, haveríamos forçosamente de provar o vinho local, ainda mais se o prato era a truta do rio gelado. Fizemos, com a satisfação de saber que o vinho, produzido artesanalmente, fora feito pelo dono do restaurante.

Para terminar, a caminho do aeroporto, descobrimos que nosso taxista Boris sabe que Dilma tem raízes búlgaras, orgulha-se de suas raízes trácias, coleciona avidamente cédulas do mundo inteiro (sempre as 3 de menor valor; dei-lhe notas de 2 e 5 reais) e, last but not least, é também vinicultor! Fez questão de presentear-nos com uma amostra de sua criação, que transposta no porta-malas.... E a vida, assim, se nos afeiçoa...
 
 

Crônicas Búlgaras 2 :: A Capital Mundial do Vinho 1



Esqueça Itália, França, Califórnia, a capital mundial do vinho hoje há-de ser a Bulgária.

Em nossa primeira noite em Sófia fomos ao acolhedor restaurante Hadjidraganov, onde fomos tratados como verdadeiros búlgaros, comemos o que sempre imaginei ser um tipiquíssimo manjar búlgaro e, melhor, provei do seu potente Mavrud.

Assim como restaurantes, lanchonetes e cafés de rede devem ser evitados em viagens, também varietais como Cabernet e Merlot. Não se trata de um nacionalismo xiita: cabs e merlots podem ser provadas nos três países citados acima e também por aqui, enquanto que a Mavrud só poderá ser provada no perímetro búlgaro.

Com seu tinto generoso, profundo e aromático, próprio para sabores fortes e climas frios, a Mavrud logo encontrou um espaço aqui debaixo do ventrículo esquerdo.