Monday, September 16, 2013

Meu barbeiro poeta



Nunca tive fidelidades como as do meu pai: só cortar cabelo com o barbeiro Fulano, só comprar bilhete de loteria com o engraxate Sicrano, só engraxar sapato com esse mesmo engraxate também vendedor de bilhetes de loteria federal, só trocar os carburadores do Passat com o mecânico Olímpio.

Eu cortava o cabelo em qualquer barbearia do Grajaú ou do Andaraí e nunca joguei na loteria.

Mas de ano pra cá, desde que deixei a barba crescer, passei a ser fiel ao Levi, só a ele confiando os fios para que eu possa cofiá-los depois, só a ele permitindo o de sempre: máquina 1,5 e pescoço.

Levi é perito mas a fidelidade nasceu mesmo depois que o descobri poeta. Diga lá quem tem o privilégio de ter barbeiro poeta. Sempre que vou ao salão do Campo de São Bento, conversamos quase que exclusivamente de poesia. Às vezes pede ajuda com o metro rebelde de um verso e eu faço lá o que posso: máquina 2 aqui, de modo a deixar sua redondilha redondinha.

O pernambucano Levi Cesario acaba de lançar Rima melhor quem rima por último. Filho de cordelista, é mesmo na clave da poesia popular que ele mais me agrada. E nas letras de samba. Como esta vencedora do concurso do Bloco do Pau Caído, de Charitas, deste ano.

Eu sou charitas e sou feliz
estou ficando velho
meu cabelo embranquecido
vou sacudir no Carnaval
pra levantar o seu astral
no bloco do pau caído.

Tomo viagra pra te fazer refém
vem cá, meu bem
no vaivém
sou teu querido
sou teu brinquedo preferido
briga mulher, briga marido
pra quê?
só pra pular no pau caído.

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