Wednesday, July 31, 2013

Jabuti no Lixo

Com o texto abaixo inauguro seção / tag aqui no blog: Convidado, em que publicarei contos, crõnicas, poemas de colegas e amigos, às vezes pouco mais ou menos que isso, blogueiros ou não.
Este texto é da Dulcinéa Sotnas, que conheci na fila do show do Bacamarte.
Ou foi em viagem que fiz a La Mancha? 

 Jabuti no lixo

Se perguntar a qualquer pessoa que tem um jabuti de estimação, dirá que tem uma tartaruga.
Por isso andei pensando que podia ser culpa da fábula. A tartaruga é que é lenta; Do jabuti...Ninguém sabe. Não se escreve sobre jabuti.
Ele não é personagem de coisa nenhuma. Parece que nunca o viram, e se viram, acharam que era tartatuga. Ou até cágado. Nunca um jabuti.
Com o de lá de casa não foi diferente. Um amigo do pai, o mesmo que vendia pintinhos coloridos, me deu um jabuti. E era lento como os outros.
Não tinha muita graça ter um, a não ser na hora do almoço. Eu cortava um pedacinho de alface com a mão e balançava no ar, perto do chão, esperando que o touro quelônio avançasse. Ele olhava pros lados com ar blasé, fingindo não ver. Não sei se ele ignorava de todo, já que dizem que tem muito bicho piticego. Uma hora ele vinha moroso, se arrastando, sem saber exatamente por que ia naquela direção e abocanhava um vinte avos daquele já pedacinho. Das coisas mais bonitas que existe é ver jabuti comer. A boca miúda, sem lábios, sem nada. É só um risco na cara. Um risquinho. E só abre pra comer alface.
O jabuti não tinha nome porque jabuti já parece nome. É apelido carinhoso do velho amigo de infância. Era desajeitado, como todo bom mocorongo, fazendo cabaninha, se escondendo atrás do sofá e atrás de qualquer coisa que tivesse um lado de trás. Não era casmurrice, mas pura e simples timidez. Que o diga a carapaça, fruto de uma gimnofobia aguda. Freud explica.

Passei a me acostumar com a epifania do meio-dia e a comer mais e mais alface. Ele, o jabuti, sempre ali de esguelha, esperando a sala ficar vazia para surgir por detrás da cortina. Acho que confiava em mim e desconfio que sabia do frisson que provocava a cada mordida. Assim ele vinha, a passos de jabuti, mas agora com uma pressa pouco comum.

Um dia não tinha alface, só tomate. Ele veio mesmo assim. Descobri então que era daltônico.

Na semana seguinte, o grito da mãe
- Vai botar o lixo pra fora que o caminhão já vem!

Lixo na hora do almoço. É um absurdo. Mas criança que protesta leva chinelada na testa. Voltei correndo pra minha alface.
Os jabutis não sentem cheiro de comida, mas o meu sentia. Hoje deve estar resfriado.
Deve ter comido as folhas feias e queimadas no chão da cozinha.
Quanta indiferença.
Nos cantos da sala só havia arestas. E o almoço esfriou.
Não poderia ter sumido assim. Não sem despedida, sem me convidar para comer ali no chão frio da sala uma única vez.
Entrou no fundo do saco preto de lixo e se misturou aos restos da casa. Nunca mais o vi.

Foi assim que experimentei o primeiro amor. E a primeira perda.

Tuesday, July 30, 2013

Pique-Pilastra, com Dante



Antes de o Dante nascer eu dizia que o Gustavo seria seu professor de futebol, a mãe do Gustavo sua professora de piano e ainda iríamos arranjar quem lhe ensinasse violino.

Depois que o Dante foi diagnosticado com West e com seus harmatomas, as expectativas diminuíram um pouco. Eu queria que o Dante andasse, que ele falasse, que ele interagisse comigo.

Engraçado isso de mudanças de horizontes de expectativas, hein?

Não escrevo isso a título de autocomiseração ou que tenham pena do Dante. É só que, como o levo muito para brincar no play e o play tem as suas pilastras, instituí o que chamo pique-pilastra, que consiste em correr em torno de uma (que seja bem branca) de modo que um alcance o outro. Tá. Um pique-tá, o mais clássico dos piques, ao redor da pilastra branca.

É uma delícia, criança adora, inda mais se a gente trapaceia e, súbito, TCHARAM, dá meia-volta e vem aquele susto.

A brincadeira não dura lá essas coisas. 

Mas a cada dia um pouquinho mais.

Monday, July 29, 2013

São Paulo! louca emoção de minha vida

Dando continuidade a este post aqui, quatro fotos quentinhas. Se não são lá grandes coisas, ouçam e vejam :: não é todo dia que se fotografa um fantasma. Um fantasminha. Em plena Paulista.










Exposição Rubem Braga :: Assombrosa de bonita




Assombrosa de tão bonita a exposição do Rubem Braga no Museu da Língua Portuguesa. Tive o privilégio de lá assistir à exposição inaugural, sobre o Guima, e esta manteve o ótimo nível.

Abrangente sem ser exaustiva, profunda sem ser acadêmica, a exposição abraça o visitante que logo se vê interagindo com textos e fotos e falas e objetos e relíquias. Todos querem abrir as gavetas que se iluminam, todos querem falar nos velhos telefones, todos querem levar as crônicas para casa, todos querem ouvir os depoimentos de Danuza, Ziraldo, Lígia, Hugo sobre aquele ranzinza mocorongo que amava sua cobertura, sua rede, seus whisky e as mulheres bonitas. Todos querem esticar o braço por amor de ver se ali pousa o passarinho que roubou ao Conde a sua medalhinha. Todos querem sentar-se ao sofá e pegar um de seus livros para ler.

Quem depois disso tudo não vira cronista? Inda mais que do lado de lá da janela o sol espana o frio e o céu se faz azul como os céus de Cachoeiro.








Escrevi recente sobre o Rubem aqui. Acreditem, vale a viagem.

Ás 12:15 ela me olha e pede

Pinheiros ::: julho de 2013


às 12:15 ela me olha e pede
tomávamos cerveja sob o sol
o sol tão branco deste inverno frio
o sol tão brando a nos flambar a pele
que eu espere que eu não compre quer me dar

Genesis do Sebastião Salgado
o começo dos mundos intocados
minha vida era sem forma e vazia
lá sei se por ela Deus se movia
sobre a face das águas dos meus dias
hoje juntos dançamos os foxtrotes
nos quartos dos hoteis da Mantiqueira 
como me pede se quero presente
se o presente já veste este pedido

Chovem exílios nesta tarde escura

São Paulo ::: julho de 2013


ela me trouxe as mãos por que eu ansiava
por que sonhava mal sabendo sonhos
e mal sabendo ânsias que no entanto
em mim moravam desde quando fiz-
-me sonhador ela me trouxe a voz
a voz de paina e doçura com que
se tecem os sonhos dos meninos ruivos
dos nublados subúrbios de Galaway
ela me trouxe o coice ela me trouxe
o desassossego e também a paz
e se não tenho tudo o que ela traz
chovem exílios nesta tarde escura

as nuvens muito cinzas são ermidas
e refúgio dos pássaros suicidas

Thursday, July 25, 2013

(Two) Two of Us

Longe de ser um clássico dos Beatles, "Two of us" é ótimo exemplo de road song, justo quando a road deles agonizava, long and winding que fora. A música é linda. A galera que se amarra no determinismo biográfico arranca os cabelos tentando decidir se a música é para a Linda ou para o John. Linda. John. Esquecendo-se eles de que ela pode ser de todos nós, quando a fazemos nossa.

O Supertramp também tem uma música com esse nome. Linda, linda de morrer. E Hodgson.

Qual das duas? Fácil :: as duas. Ambas. Two of us. Driving nowhere.





A versão do Beatles que postei tem uns assobios do Lennon no final que mais tarde foram cortados. E pra quem sempre quis saber o que ele diz no início: “I Dig A Pygmy’ by Charles Hawtrey and the Deaf Aids. Phase one, in which Doris gets her oats".

Já a versão do Roger Hodgson traz um sax de todo ausente da versão original. Isso em 1'25''. Ficou tão bonito que todo mundo levanta para aplaudir e chorar.

Botequins de Todos os Times

É redundante combinar botequim com futebol. Muitos botequins cariocas fazem questão de ostentar o time do coração do dono e neste quesito, dada a história dos nossos botecos, o Vasco é ainda imbatível. O que é ótimo :: um pôster aqui, uma cruz-de-malta ali torma qualquer lugar mais bonito.

Mas claro que há também os botequins tricolores, botafoguenses, rubro-negros.

E há os botequins de todos os times.

Se por um lado, isso muitas vezes atende a uma preocupação puramente marqueteira da InBev, por outras revela o desejo sensível do dono de, sem negar o seu time, abrir espaço para os demais, de maneira que todos se sintam contemplados.

Este desejo tolerante, naturalmente, é praticamente impossível da parte daqueles que defendem o pensamento hegemônico, a monocultura, e gostariam de ver a o botequim, o bairro, a cidade, o estado, o país, o continente, o planeta torcendo todos pelo mesmo time: o rubro-negro.

Sem comentários.

Esquecem-se de que a diversidade enriquece e que o Rio de Janeiro, até onde sei, é a única cidade do mundo com quatro clubes grandes. E olhem que já estive em Bandarawela, no Sri Lanka.

E que além dos quatro tem ainda o América (registrei aqui) e os maravilhosos times dos subúrbios. Ponto a mais, portanto, para aqueles que ainda se lembraram do Madureira, do Bangu, do Olaria, do Bonsucesso. E do São Cristóvão (aqui).

Bar Sepulta Carnaval - Engenho de Dentro

Bar da Galera - Tijuca

Bar - Bairro de Vasco da Gama

Café e Bar Dantas - Méier

Café e Bar Belegarde - Engenho Novo
Bohemios Porto Mauá - Praça Mauá

Bar do Zé Pereira - São Cristóvão
Açougue Acadêmico (também é boteco) - Tijuca

idem

ibidem

Lgo do Machado

Café e Bar Valente - São Cristóvão
Bar Soares - Grajaú

Café e Bar Propício - Engenho Novo

Tuesday, July 23, 2013

L'amor che move il sole e l'altre stelle



sempre haverá aquele cara chato
passada a meia-noite irá dizer
'amanhã não, hoje' e corrigirá
quem o milênio comemorou em
2000 : sempre haverá : bem ao meu lado
 e também com certeza ao lado teu
o mesmo chato que dirá: o sol
é uma estrela a Terra é que gira
ao seu redor ::: chato chato chato
não vê que o sol acorda aqui e dorme
bem do outro lado :: como pode ser
tão chato e cego não vê que o amor move
Dante o amor e o sol que nascem nele
L'amor che move il sole e l'altre stelle

Museu da Casa Brasileira

Agora que Praga Paris e Padova são destinos mais comuns entre nós, partiu prestar atenção também aos museus lindos que temos por aqui? (Eu sou um chato mesmo)

Quando fui a Praga, ninguém ia. Eu dizia "Pra-ga" e a galera entendia "Braga". (Muito chato mesmo)

O Museu da Casa Brasileira é oásis de cultura em meio ao consumismo da pauliceia do Itaim Bibi e de Pinheiros. É lindo, o jardim, o restaurante, as exposições.

E olhem que fui numa segunda de manhã, quando ele estava fechado.









Gozando Junto III

Cá estamos de volta com novas fotos da Série "Gozando Junto", que já mereceu até nota de pé de página em um jornal da periferia de Bucareste.

Reparem que o gozador pegou (epa!) até umas freirinhas da Jornada Mundial!

Morro da Penha - Niterói

São Januário

DéliBeer

Sto. Antônio do Pinhal-SP
Centro do Rio

Icaraí

Grajaú

Sunday, July 21, 2013

Estou farto de semideuses





Almoço com A, perfeito libertário do facebook que promete a libertação da Palestina para antes da Copa
Vou a um show com B, que tudo conhece de poetas e poesia em seu pétreo conhecimento
Tomo chopp com C, que come três mulheres por dia

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?












O Dia em que Rubem Braga comeu pavão



Há alguns meses visitei o Affonso Romano em sua cobertura de Ipanema e de lá ele me mostrou uma outra mais famosa e mítica cobertura: a de Rubem Braga, aquela em que, quando perguntado no fim da vida como receberia os curiosos, respondeu: a bala.

Acho que valeria a pena o risco, afinal, não se sabe se o Fazendeiro do Ar tinha boa pontaria, ainda mais depois de uns whiskies.

Se ele errasse os primeiros tiros, eu lhe perguntaria se foi verdade aquela história do pavão em Goa. Explico ::: descobri semana passada crônica do Rubem datada de fevereiro de 1990 chamada "De Goa a Ipanema". Nela o cronista conta que, quando em Goa, em 1965, recebeu convite de casal português para comer peru. Passadas garfadas, a dona da casa confessa que os enganara: não era peru coisa nenhuma, mas pavão, ave que Rubem diz ser "relativamente comum lá". Ele come até o fim. Mas com remorsos.

Nas duas vezes em que estive em Goa não vi pavão nenhum, nem solto nem em baixelas. Se eu teria comido? Isso é outra história.

Aliás (e quem conhece a crônica entenderá muito bem este aliás), certa vez eu e meu cunhado fizemos algo semelhante: servimos coelho à minha mãe dizendo tratar-se de galinha da angola. Quando contamos, ela ficou furiosa, como jamais vi.

E assim, de Goa a Angola se faz a crônica, à falta do talento (e de uma cobertura) do Rubem.

Saturday, July 20, 2013

A tarde é este livro aberto



a tarde Pampi é este livro aberto
estes sonetos não se cansam de
falar de tardes noites e manhãs
porque eu não canso de sorver as tardes
as noites as manhãs quando passadas
contigo :: o livro aberto tem as páginas
em branco :: iremos escrevê-las tarde
adentro e resguardamos o ardor
quando as almas enfim apaziguadas
(corpos jamais) descemos com os pés
descalços encharcados desta tarde
crianças insaciáveis para jogar
a sinuca do velho bar da roça
e depois a gente incendeia o mundo

Friday, July 19, 2013

Rua Goulart - Tijuca

A Rua fica na Tijuca, bairro onde meus pais se conheceram, bairro onde estudei e que eu dizia odiar.

A mitologia idiota até hoje permanece... Junto a "classe média"..."tijucano" e, pronto, temos a origem de todo o mal do país. Se for tijucano classe média então, ferrou.

Pois a Tijuca tem coisas belas, belas como um copo de ouro.

Mas como ouro, hay que garimpar.








E rasurando Bandeira:


Homens ricos do Rio de Janeiro
Que dais quinhentos contos para conhecer Praga,
Está certo,
Mas dai dinheiro também para a Rua Goulart.

Grãs-finas cariocas e paulistas
Que pagais dez contos por um modelo de Christian Dior
e meio conto por uma permanente no Baldini,
está tudo muito centro,
Mas mandai também dez contos para consolidar umas quatro casinhas de Rua Goulart.
(Nossa Senhora da Saens Peña vos acrescentará...)