Sunday, March 31, 2013

OUTONO - Carlos Nejar





OUTONO
Carlos Nejar


Outono, outono, outono. Mas os homens
não, jamais se derramam na derrota
ou na ruína de ossos, quando a fome
é maior do que eles, com a resposta

urdida em Deus e no universo. Tomem
deles sua pompa, glória, a frágil crosta
de carências, paixões. E nunca some
a luta, nem o espírito. Reponta

outra força na dor, outro consolo
de resistir e amar. Cavar o solo
de inventos, flores, sendo o seu suporte.

Mas ir mudando. Se o dormido outono
desplumar-se, adiante e além do sono
é acordar, o acordar. Mesmo na morte.

Friday, March 29, 2013

À falta de domesticar a noite





à falta de domesticar a noite
pus-me a colar aqui ali lembranças
que rebeldes se casam aos desejos
que de intensos se fazem já lembranças
a menina pulando sobre a cama
sua forma de pedir mil e mais beijos
é decerto lembrança mas o rosto
que vira para trás enquanto ama
à janela é desejo do que foi
ou do que me espera quando o sol posto?
na dúvida se os relógios atraso
ou adianto (ou jogo fora) calo
e a lua com peninha do sujeito
deita a face muito branca em meu peito

Thursday, March 28, 2013

Ensaio de Orquestra II - A Execução de Stepan Razin


O maestro Luciano Camargo e o baixo Oleg Didenko


Para além da celebrada Quinta Sinfonia do Shostakovich, felizmente de lugar cativo no repertório das orquestras mundo afora, o programa incluiria uma peça bastante rara do mestre russo: A Execução de Stepan Razin (1964). 

Lembro-me de já tê-la ouvido há muitos anos em Luxemburgo, com a orquestra local. Com os ingressos esgotados, conseguiram-me lugar no palco. Ao meu lado, um casal com linda menina de seus 10 anos. Jamais me esquecerei da cara que ela fez quando o baixo começou a cantar com seu vozeirão: de olhos esbugalhados, segurando o riso, virou-se para os pais como que a perguntar: "Meu Deus, vocês não vão rir disso não???". Mas a lindinha soube se comportar.

Para minha sorte, o baixo solista, o russo Oleg Didenko estava presente neste que foi seu primeiro ensaio com a orquestra. Voz potente. Ia perguntar ao maestro, acabei esquecendo: terá sido esta a primeira audição desta peça no Brasil?


Ah, faltou: o herói no caso foi um cossaco que liderou uma revolta camponesa contra o czar. Naturalmente que foi preso e executado ou a peça de Shostakovich não existiria. Shosta lançou mão de poema escrito por Yevtushenko, de quem ele já usara o "Babi Yar" de sua 13a Sinfonia.

Pena que não consigo postar aqui o vídeo que fiz do ensaio, nem 20 segundos....

Ensaio de Orquestra - A Quinta do Shostakovich


Na sexta-feira passada tive a felicidade de assistir a um ensaio da Orquestra Ars Música em São Paulo. Programa todo ele Shostakovich e mais uma pequena obra de Mossolov. Ou seja, programa integralmente russo, o que faz sentido de vez que a música erudita russa é objeto de estudos do maestro Luciano Camargo.

Assistir a um ensaio assim é muito bom. Por trocentas vezes que tenhamos ouvido a peça, sempre se descobrem nuances até então ocultas. Obrigado, Rafaela, pela oportunidade.


A Quinta de Shostakovich foi uma das minhas portas de entrada na música erudita, em 1986. Recomendo-a como porta de entrada a quem for, já que ela é mais impactante e "alta" que a maioria do repertório do século XX. Tudo menos cerebral. O que não significa jamais facilidade (sobre isso escrevi neste post aqui).

Seu Largo é de uma beleza indescritível. Mas o tom final é antes eufórico que disfórico, como deve ser uma Quinta ::: V, Victory, talvez haja esperança afinal.

Bernstein pediu para ser enterrado com ela. Não é outro meu pedido.







Wednesday, March 27, 2013

Vai procurar a sua AMRUT!


The funny thing is: nas duas vezes em que estive em Goa, ignorei, a ponto de desprezar, os whiskies indianos. Goa, aliás, pareceu-me especialmente fond of them. Achei que uma única dose daquilo iria me matar, de modo que na única vez em que me arrisquei a sair da Kingfisher foi para tomar do fenim, e mesmo assim mais pelo, digamos, "folclore".

E via a galera local cair de boca no whisky deles, seja nos botecos, seja nas praias, quase sempre misturando com refrigerante. Isso, naturalmente, não atraía. Soubesse então que boa parte da produção local é uma mistura de whisky escocês com melaço... me faria aferrar-me ainda mais à Kingfisher.

Só vim a saber que existia coisa chamda Amrut depois. Aliás, eu e a torcida do Bonsucesso. A revolução que essa destilaria vem fazendo, não apenas por seus deliciosos maltes, mas pela tal da "agilização tropical da maturação", só poderá ser avaliada com precisão em alguns anos, que agora estamos no meio dela.

Os escoceses que se cuidem. E / ou invistam mais em marketing.

Meu Amrut é o Peated, envelhecido em barris de carvalho, que minha amiga Erica Palmeira gentilmente me trouxe da Austrália. Em degustação anterior (às cegas), confundi-o com o Highland Park, o que, convenhamos, é já puta elogio. Sabor de turfa acentuado sem, no entanto, soar 'medicinal' como um Laphroaig. Cremoso, com algumas notas cítricas. Never aggressive. Retrogosto fraco, um pouco herbáceo talvez. A impressão geral é excelente.

Bares de Sampa III - Aldino




Situada na Rua Barão de Limeira, a Lanchonete Aldino ocupa lugar de destaque em meio aos botecos de São Paulo (e em meu coração) pelos seus excepcionais paineis de azulejos. Estivessem em mal estado de consevação, já seriam dignos, mas o que pega é que parecem feitos ontem. E têm mais de 60 anos.

Novamente, uma reforma má transforma o boteco em lanchonete, tendência, até onde tenho observado, mais forte em Sampa do que aqui. O próprio nome, feio, entrega. Sempre se chamou assim? O dono teve o bom senso de manter os paineis, assinados por um Atelier Moral e que retratam motivos brasileiros ao lado de lisboetas.

Em conversa, o simpático dono (ou gerente) pensa como eu: o local mudando de mãos, a primeira coisa que fazem é arrancar tudo.... Tombamento, já!




Tuesday, March 26, 2013

(Acho que) Ganhei um Poema


Santa Teresa 2013

Certa vez perguntaram ao poeta canadense Mark Strand acerca do significado e estratégia de uma dedicatória em um poema, ele que faz uso em profusão. Respondeu ele que as dedicatórias eram simplesmente forma de presentear. Muitas vezes o poema era dedicado a alguém a quem o poeta já sabia que admirava o poema. Se ele conhecesse e gostasse da pessoa, claro.

Acredito que muito mais pode haver em uma dedicatória. Não as uso, ao menos não no sentido usual (A J. Pinto Fernandes). Mas tenho um soneto cujo título é "Sonnet for Tipsy". E outro em que se lê "Para a menina". E tenho a seção inteira do Voo sem Pássaro chamada... "Dante".

Talvez eu não as use no sentido usual porque quando comentei ao poeta Gilberto Mendonça Teles que intencionava dedicar-lhe um poema de Taipa (acho que o "Viagem a Goiás") assim no sentido clássico -- A Gilberto Mendonça Teles --, ele fez uma careta tão feia que acho que traumatizei.

Anyway. Ganhei dedicatória. Se ganhei o poema, ainda não sei. De poeta que admiro um bocado, o João Ricardo Lopes. Segue.

HOJE MESMO

Para Evandro von Sydow Domingues

hoje mesmo é um bom dia
uso uma plaina para descamar a madeira das janelas
uso depois lixa,verniz e diluente para corrigir o inverno
no lado mais exposto da casa.
recebo na volta do correio novidades do Brasil (poesia, dois
volumes dela, código postal 24210-430, Niterói).
ao largo, o sol e a chuva assinam o armistício da Páscoa.
dentro dos meus olhos é terno o arco-íris, sempre assim foi
tão terno quanto a música de Bach que trago no ouvido
como se traz uma palavra, por obsessão.
hoje mesmo é um bom dia para recomeçar.
os barcos passam de ilha em ilha, como peixes irrequietos
à espera de poiso, de sol ou simplesmente de companhia
e eu não, eu nunca estou só.

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Para se ler no blog do João, com direito a curtir a foto, basta clicar aqui.

Aprendi a amar as madrugadas


Ingá 2013



aprendi a amar as madrugadas
amor nascido à minha revelia
todo amor é à revelia a mordida
do grifo na coxa enquanto caminha-
-se esquecido sob as águas da tarde
aprendi a amar teu rosto menino
de súbito tão sério quando amas
a pele arregalada sobre a minha
os olhos eriçados quando encontram
o gozo procurado ::: aprendi
a amá-las e hoje eu que as busco
sob a cortina das pálpebras antes
âncoras que se fazem leves leves
se aprendo a amar às madrugadas

Monday, March 25, 2013

Bares de Sampa II

Só pelo seu ano de nascimento :: 1922 :: e por estar tão próximo do Theatro Municipal, o Ponto Chic já merece respeito. Com certeza aqueles doidos da Semana tomavam chopps aqui, mas falta registro (em que pese uma foto do Mário no salão).

Conservaram-se a fachada do sobrado e um interessante painel dourado de gesso (bem modernista, por sinal) em seu interior. Mas a reforma sofrida foi atroz, exemplo de como não se deve reformar um botequim tradicional. De tudo fizeram para que virasse uma lanchonete, mais uma. Mas pela história, pela tradição (aqui nasceu o bauru) e pelo excelente chopp (prefira a tulipa à caneca), vale a visita.

O Estadão é outro que sofreu reforma assassina. Mas por funcionar a madrugada inteira, atraindo jornalistas, taxistas, policiais e putas, tem ótima atmosfera. A piece de resistance é o sanduíche de pernil, que foi o que me levou até lá, me fazendo andar desde o Municipal (é pertinho). NMHO, bom "lanche" (para usar expressão pauliceia), mas falta tempero. Sem bairrismo: o pernil do Cervantes, do Opus e do Itapicuru dão de 10.










Bares de Sampa I

Não é de hoje que percorro os bares da capital paulista, mas é que antes não tinha eu essa mania (for the good, for the bad) documental.

O Bar Léo é um clássico, a começar pelo endereço. Que outro, do Brasil e do mundo, terá sua localização em Rua Aurora 100? Isso pegaria mal em ficção, dir-se-ia inverossímil. O lema também ::: Bier Über Alles ::: bom demais.

Depois da confusão do chopp adulterado, o Léo tem novos donos, ninguém menos que o Bar Brahma. A mundial tendência dos grandes grupos. Ao menos mantiveram nome, ambiente. O chopp... talvez antes fosse ligeiramente melhor, mas a memória trai, inda mais de um nostálgico.

O Bar do Biu foi grata surpresa. Parada obrigatória agora para depois da Feirinha da Calixto. Quiçá antes ou mesmo durante que ninguém é de ferro. Comida nrdestina. Mas vai conseguir lugar lá dentro.


E tem azulejo!


O teto de gesso, a réstia, a carioquice do São Jorge

São-Paulices - Fotos II

Mais algumas são-paulices, em especial para quem acha que Sampa não tem nada digno. Aquela história: fecha os olhos e vê. E deixa o Nokinha N8 cuidar do resto.



Estupendo painel de pastilhas no Centro





Cidade de muitas figueiras. Esta é da República.

E o Gato que Ri.

Algumas São-Paulices - Fotos I

Terá São Paulo, claro, suas são-paulices. Depois de esbarrar com o oroboro na tarde de sexta, achei mesmo que tudo poderia ser possível.



Sta. Cecília

Centro

Centro

Centro

Ainda o Theatro


Wednesday, March 20, 2013

Acordar antes



me entrego tantos nos poemas
que recebo carta até do Equador
'Evandro, você precisa dormir' :::
aprendi a amar as madrugadas
à minha revelia
todo amor é à revelia
eu deveria fingir mais fazer poesia de verdade
eu não consigo
e o susto ao lembrar do que se aproxima
uma madrugada contigo (quem
é o 'contigo'? mesmo eu confundo se
uso para os dois o mesmo secreto nome,
doce e recluso :: alto como ninho no galho mais alto
um nome é um nome há
segredos de cabala aqui)
eu poderia aproveitar e dormir
amar e dormir
e ser acordado
mas não
porque nada nada supera
nem o silêncio absoluto das noites dormidas sob as estrelas da meninice
o acordar antes de ti
e ficar olhando     olhando          olhando

João Ricardo Lopes, poeta português

Conhecer a poesia do poeta português João Ricardo Lopes (n. 1977) foi das coisas boas do ano passado. Aliás, conhecer a poesia sua e a de outros portugueses contemporâneos foi um dos grandes estímulos para este blog no segundo semestre de 2012.

Só por me fazer escrever mais por aqui já me é motivo de gratidão.

Poesia de dicção refinada e sóbria, mas que sabe ser terna.

Seleciono dois poemas -- "Nota de Rodapé" e "Alquimicamente", ambos do livro Reflexões à Boca de Cena, que ele me enviou.

Do primeiro, eu já roubara um verso para meu poema "Sapos", de maio do ano passado e que pode ser lido aqui.

NOTA DE RODAPÉ

lâmpada baça por onde vem o silêncio
segregado e resfolegam os olhos.
faço-o de novo até muito tarde
e tu reclamas-me docemente, por entre
capítulos obscuros de papel pardo
e destroços de carvão.
às vezes distrai-me a asa de um queixume
o teu corpo sai a terreiro, como que a
defender o quinhão de lume que lhe pertence.
é tarde e tu respiras convulsionando
as minhas palavras, adormecida.
não cheguei a dizer-to, nunca chego
a dizê-lo. o amor é sempre tão de repente

ALQUIMICAMENTE

também eu possuo uma retorta enganadora.
transformar em ouro o teu coração de pedra
nunca foi fácil e o fracasso sacode-me o sono em
estremeções desalmados. sou eu quem te
chama e há um caminho de árvores entre nós.
é longínqua e ris de cada vez que me explode
a decepção e eu juro acabar assim, esfarrapado
e vencido e sem ti. mas o poema renasce e eu
renasço devagar. um coração de ouro é coisa de
que não se desiste. nem até à loucura, nem até ela



Monday, March 18, 2013

Musa, parlami di quell’uomo di multiforme ingegno



um pouco mais do demetrio


Ecologia no Rock Progressivo Italiano



Em recente post sobre o Area falamos dos conturbados anos 70 na Itália. Ir a um concerto de rock, ter uma banda de rock era assumir um compromisso político, amiúde no sentido mais mesquinho do termo (o que explica o ostracismo a que foi relegada uma das bandas mais maravilhosas, o Museo Rosenbach, só [só?] porque o artista responsável pela capa incluiu em sua bela colagem uma foto do bufo Mussolini, mas isso é outra história e estes parênteses [com direito a colchetes] já estão muito longos).

Na enorme maioria dos casos o compromisso político pendia para a esquerda e nesta agenda política residia o que considero um dos legados mais duradouros e válidos de todo o envolvimento político jovem do final dos anos 60 e início dos 70: a ecologia.

Vêm-me à mente agora três bandas que trataram do assunto: Blocco Mentale (em seu álbum Πoa, de 1973), Le Orme (em "Cemento Armato", do Collage, de 1971) e Reale Accademia de Musica (em "Lavoro in Città", do álbum homônimo de 1972).

O álbum do Blocco Mentale é inteiramente dedicado ao assunto. Πoa, palavra grega, significa "grass". O disco, considerado menor por fãs e crítica, é simplesmente ótimo, com destaque para o Lato B, em que figuram "La Nuova Forza" (a canção mais elaborada, com 8:08) e "Ritorno", que, como o título anuncia, retoma o tema que abre o disco. Aliás, o disco poderia ter ficado por aqui, poupando-nos da fraca e comercial "Verde", que corporifica o que a banda não tem de bom: a ingenuidade. (Mas a faixa tem mellotron!!!, tá, deixa ela lá!)

"Cemento Armato" e "Lavoro in Cittá", em sua oposição campo X cidade, em que aquele é glorificado em detrimento desta, ilustram certo rousseaunismo romântico típico do período.

Em ambas forma e fundo entrelaçam-se perfeitamente. Na música do Le Orme, que começa literalmente com um grito de alerta, toda uma atmosfera opressiva e claustrofóbica criada por Micchi, Aldo e Toni, sublinha versos como "Cimento Armado, a grande cidade / Sentir a vida que se esvai / Perto de casa não se respira / é sempre escuro." A banda pode dar vazão às suas habilidades instrumentais, mostrando que à influência do ELP, a começar pela formação triangular, podia-se juntar um tempero mediterrâneo.

A canção do RAM é semelhante neste aspecto. Ao menos parcialmente. Dividida em três partes, a primeira assemelha-se muito à do Le Orme: atmosfera sombria de modo a transmitir o trabalho rotineiro e mecânico a que os pobres mortais são submetidos nos grandes centros urbanos. Toda essa atmosfera, no entanto, dá lugar a uma segunda seção na qual há espernaça (ça ira!) e temos aqui de volta o Reale soberbo das faixas ímpares (esta é a quinta do disco). Tutto è divino. Acho que para não serem acusados de maniqueísmo, a banda, uma das minhas top 5, termina a faixa em um mood inteiramente diverso, mesmo jazzístico.





Saturday, March 16, 2013

Nossa música é violenta porque há violência nas ruas :: Area



Em entrevista, Demetrio Stratos, a lendária e carismática voz do Area, acusou o Premiata Forneria Marconi de alienação, dizendo ser estúpido e absurdo que se fizessem canções como "Dolcissima Maria" enquanto bombas caíam em Brescia. Concluiu: "a nossa música é violenta porque há violência nas ruas".

Sem entrar no mérito do que é alienação (na opinião deste blogueiro, um artista "engajado" pode ser muito mais alienado do que um, digamos, "lírico"), Stratos pegou pesado, sobretudo se lembrarmos que, "Dolcissima Maria" ou não (linda por sinal), a Premiada Padaria Marconi chegou a participar de show pró-PLO (a Organização para a Liberação da Palestina), além de, às vésperas de entrar no mercado norte-americano, ter lançado álbum denominado Chocolate Kings, verdadeiro tapa na cara (sem pelica) do público a ser conquistado.

A zanga de Stratos, porém, é emblemática do que foram os anos 70 na Itália e como eles influíram em bandas como Osanna, Stormy Six e, sobretudo, Area, uma das bandas mais perturbadoras e de difícil assimilação de todo o movimento.

O encantamento precoce de Demetrio privou-nos de uma das vozes mais poderosas de todo o rock progressivo italiano.

O vídeo abaixo tem grande valor histórico. Tocam, em playback, minha canção favorita, "Luglio, agosto, settembre". Quanto ao playback, será que alguém acreditava naquela pantomima??? =) Chega a lembrar o Chacrinha das tardes de sábado... Mas vale, pelas ótimas músicas. E pela fala do Demetrio.




Compostela



David Pintor, talentoso ilustrador galego de A Coruña, publicou no final do ano passado belo livro de desenhos intitulado simplesmente Compostela. Nele, um homem passeia pela capital da Galícia em sua bicicleta, pretexto para David realizar seus belos desenhos. Não se trata de um guia, no sentido referencial ou jornalístico. O que há aqui é sobretudo mágica. E poesia.

Por ocasião do lançamento o próprio David editou este pequeno vídeo com imagens do livro. A voz é de Eliane Elias.


Friday, March 15, 2013

À noite a estante com os romances




 
à noite a estante com os romances não
lidos fica maior :: cresce de tal forma
que mesmo assusta : são lombadas e
lombadas sobre prateleiras e
nações de prateleiras desgastadas
pela maresia

ainda leio bastante até arder
o pavio dos meus olhos miguilins
mas sei que jamais darei contas desses
romances todos (nunca li tolstoy)
que continuo comprando e à noite
a certeza da minha não-leitura
é levantar pedaço da cortina
e vislumbrar a morte que me espera


com ana lúcia merege e letícia leal






A moça que queria atravessar a ponte a pé



A moça queria atravessar a ponte a pé. Tão logo soube onde eu morava, tão logo soube ponte. Não pergunta se podia: quer.

Desde os primórdios de seus quereres, esse querer me lembrava o conto "O vello que quería ve-lo tren", do Rafael Dieste, ao menos na sonoridade da sintaxe.

A ponte, bem o sabeis, administrada pela CCR, é difícil de ser atravessada mesmo de carro e ônibus, motivo pelo qual iniciei minha série "Poemas Escritos na Ponte", que consiste no poema e em foto tirada no dia de dentro do ônibus. Objetivo? Não ficar maluco.

A moça queria, a moça chegou perto. Pertinho, pertinha. No domingo a atravessamos de táxi. Eu very excited pensando que que ela vai dizer, ela otherworldly. No percurso, como faz, deita-se no meu colo e depois de me atordoar uns minutos pergunta ao motorista se tem música. Musiquinha. Ele grunhe qualquer coisa e liga o rádio. Começa a tocar o maior pagode. A princípio continuamos quietos. Depois sorrimos. Em seguida rimos. Para logo começarmos gargalhada irrrefreável. Ainda mais que o pagode diz "Saudade, meu amor, saudade...". Rimos de perder as certidões. Cheguei a temer que o motorista pensasse que estivéssemos a zoar dele. Já briguei com muito motorista de táxi, hoje não. E não estávamos a zoar. E estávamos.

E a travessia da ponte?

Desembarcamos no aeroporto. Motorista feliz com a dispensa do troco.

Caminhamos silenciosos para o check-in. Até ela pular no meu pescoço e dizer

Viu? E você dizia que não dava!....

Tua Presença


Ponta da Areia 2012

tua presença me confunde tanto
que às vezes já nem sei se é quarta-feira
ou domingo este hoje que me sabe
a trufas embriagadas ao rum
a frutas roxas com o seu trescalo
à turfa que se evola sobre o co(r)po
às ostras escondidas nesta stout
ao viço das formigas esmagadas
ao húmus que recobre os jardins
encharcados pelas chuvas de março

tudo esquenta-me o rosto de umidade
e gotas de suor ::: já nem sei mesmo
se esta madrugada é já o ontem
ou ainda resquício do amanhã

Janela às 4 da manhã


Goa 2007


Me aproximo da janela às 4 da manhã para descobrir a chuva
o que é veramente impressionante
ninguém espera chuva às 4 da manhã
nem o meteorologista que a previra
ao redor do poste ela adquire novos tons
ao redor de Adiós Nonino que sussurra aqui baixinho
ela também adquire novos tons
ao redor de teu corpo pequeno e infinito
o que é veramente impressionante
ela se veste de conchas diminutas espraiadas num jardim