Friday, November 16, 2012

Dino Buzzati, Mestre



Ainda que goste um bocado dos seus romances O Deserto do Tártaros e Um Amor (talvez mais absurdo, a começar pelo título, que uma fortaleza encravada no meio da nada aguardando inimigos que nunca chegarão) e embora eu goste imenso de seu infantil La famosa invasione degli orsi in Sicilia, incluindo as ilustrações do próprio, foi com as narrativas curtas que Dino Buzzati me conquistou.

E aí falamos de As Montanhas são Proibidas, As Noite Difíceis, Naquele Exato Momento. No primeiro, 25 contos; no segundo 51, no terceiro, 156 "contos". Aspas para explicar os fragmentos, anotações, parábolas, poemas em prosa. O primeiro texto de Naquele Exato Momento, por exemplo, tem apenas 7 linhas.

Textos por vezes desabridamente simbólicos, amiúde filosóficos / metafísicos, mas é raro que Dino, finíssimo observador, pese a mão.

"A Grande Faxina" é daqueles que carrego no coração para sempre. Graças a ele entendi uma coisa que eu não conseguia entender na vida.

O  SILÊNCIO  DOS  ANIMAIS

Finalmente viu-se um pouco de luz. O amanhecer. Pulei da cama e olhei para fora: bonito dia. Chamei o cachorro Gufo: "Vamos, Gufo", disse, "temos que estar às oito horas na passagem, assim a veremos quando chegar." Gufo sacudiu a cabeça, bocejando. Pusemo-nos a caminho.

À sombra de uma grande árvore, Gufo estava sentado com as patas dianteiras bem retas e fixava, com gigantesca seriedade, a estrada que subia entre os bosques. Era verão.  Ouvi-se o barulho do ônibus chegando. Depois apareceu, azul, e ao sol os cromados brilharam.

"Você a está vendo?", perguntei. Ele levantou as orelhas e não se moveu. O ônibus já estava perto. Parou na passagem. Eu já compreendera. "Vamos!", disse a Gufo. "Ela deve ter perdido o ônibus, chegará à tarde."

Já eram quatro horas. Nuvens brancas como odres estavam reunidas entre dois mil e dois mil e quinhentos metros: e o vento as impelia. Viajando assim, suas sombras corriam sobre os bosques. "Gufo, Gufo, você que sente as coisas de longe, acha que ela chegará?" O cão, imóvel, olhava os tourniquets desertos.

O último raio palpitou, sobre os picos extremos, depois se apagou. "Gufo, vamos?" O cão, que dormia, levantou-se e seguiu-me com a cabeça baixa.

Todos já tinham ido dormir. No pátio, a lâmpada suspensa oscilava um pouco ao vento, e com seu balanço, as sombras das cadeiras vazias se alongavam, encurtavam, se alongavam. "Gufo", disse, só para romper o silêncio. Pouco depois repeti: "Gufo". Ele me olhou, com os lábios caídos como festões de chocolate derretido. Parecia um bispo. "Gufo, você não diz nada?" Continuou a olhar-me, mudo. Durante todo o interminável dia, não dissera uma palavra.

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