Tuesday, July 31, 2012

Novos Velhos Letreiros de Acrílico

Mais uma série de letreiros de acrílico que encontrei pelas andanças. A reparar que quando o letreiro contém também um desenho, este é quase sempre de incomparável sabor naïf.


Centro

Copacabana

Catete

Flamengo

Tijuca

Tijuca

Andaraí

Méier

Glória

Catete

Sunday, July 29, 2012

Ganimedes talvez




Quando à algazarra habitual se juntam
os livros de poesia pelo chão
é sinal inequívoco: voltaste
ainda que não te tenhas movido
do exílio que elegeste para viver.

(Este ir e vir regem-no luas outras
Ganimedes talvez, talvez Pandora)

Para manter-me de pé nesta vertigem
acaricio o velho gato que
sábio, sabe de cor meus desatinos.

Afundo os dedos em sua pele de
iaque, e já creio nisso de destinos.

(O gato que amo como ao velho amor
certo de que ambos morrerão meninos)

Dezembro Inútil





Sempre fui um mau leitor
mesmo para os padrões de Pennac.
Li teu corpo desordenadamente
busquei-o como uma criança cega
a seu brinquedo mais amado
demorei-me entre teu umbigo e o sexo
bem mais do que os de minha espécie
e nada aprendi.

Resta o rastro de um gesto desgarrado
como um dezembro inútil sem cigarras.

Saturday, July 28, 2012

Serralherias


Continuo a navegar em Nava, descobrindo trabalhos de serralheria pela cidade. Em geral tão desprezados.

A primeira é de casa antiga no Jardim Botânico, tomabada.
A segunda é toda anos 70, querendo ser azulejos.
A terceira fica também no Jardim Botânico, não é tão antiga, mas faz sombra aqui e ali. E sombra de serralheria é bonita.
A quarta fica na Saúde, que alguns chamam de Gamboa. Reparem que há sol, lua, estrelas.




Jardim Botânico

Santa Rosa

Jardim Botânico

Saúde

Thursday, July 26, 2012

Numa Voz de Criança



e houve os dias em
que adormecias nua ao meu lado
para acordar assustada
pedindo por tuas roupas
numa voz de criança

ouve os dias
tatuados nas águas da memória
seu surdo rumor
seus contornos de sonho
onde apenas a poesia os
alcança



Wednesday, July 25, 2012

Adjágas



Em se fazendo um pequeno texto sobre o duo norueguês Adjágas o mais difícil será escolher uma música do seu estupendo álbum de estreia para ilustrá-lo. Em princípio a escolha parece recair sobre a representativa faixa de abertura, "Linkolas", para depois deslizar para "Mun Ja Mun", qua parece ser a canção que os próprios escolheram para promover este disco de 2007.

Mas eu fico com "Ozan", palavra que os Samis têm para "Procuro". O que é, God, tão apropriado. Em sua euforia ela lembra o que o rock progressivo pode ter de mais alto astral, algo como "La Princesse Perdue", do Camel.

Mas Adjágas não são bem rock progressivo. Ao aparar as arestas de uma das músicas tradicionais mais antigas do planeta, a dos Sami e sua técnica de joik, a tentação de se cair numa insípida new age, numa muzak, é grande. Aqui, por exemplo, caíram Máddji e Sofia Jannok.

Exigir de um cantor técnicas de joik será exigir demasiado. Eu mesmo gosto um bocado de um singer-songwriter como o Elliot Smith, por exemplo. Mas ouvir Adjágas nos lembra que cantar vai muito além de falar com ritmo.

E, só para encerrar: é um trabalho como este que mostra que inovação e tradição não são necessariamente vetores antagônicos.

Oferta




OFERTA


Nada respondas:
o quanto peço
A mais leve inflexão de um gesto
abriria fissuras sob meus pés.
Queda-te impassível como deusa minóica
enquanto desfio meu rosário de impossíveis quereres
A este puja de resinas
alfenins conchas e desejos
vestido em decassílabos reumáticos
unge-me com teu silêncio (não
indiferença) este silêncio
nascido no oco das madrugadas
habitando teus olhos sérios
assentado em teus lábios graves

Hei-de torcer, torcer, torcer

Que chato, né, empreiteiros e construtoras e imobiliárias que tudo fazem pela verticalização, adensamento e desumanização da cidade: a sede do América Football Club, na Rua Campos Salles, 118, na Tijuca, foi definitivamente tombada.

Além do tombamento, a prefeitura publicou outros dois decretos na tentativa de impedir o leilão da sede de um dos primeiros clubes de futebol do Brasil. Sei que os destombamentos estão em voga mas, ao menos por um tempo, impede-se que ali se levante um Palazzo Tijuca ou um Condomínios Varandas da Afonso Pena.

O pequeno campo do América, onde hoje é o Shopping Iguatemi e onde jurei jamais entrar,  já se foi (saudades...), mas a sede do Mequinha resiste. Não custa lembrar que, a exemplo do Vasco, o América foi fundado no centro do Rio, o que lhe confere caráter verdadeiramente popular, ao contrário de outros clubes todos eles fundados na Zona Sul da cidade.

O grande João Cabral de Melo Neto era torcedor fanático do América. De Recife. Chegou a jogar lá. Por antonomásia, vivendo tantos anos no Rio, afeiçoou-se também ao América carioca. Claro que afeição não é paixão. Mas é afeição de poeta maior.

Boteco do América - Tijuca

Boteco do América - Tijuca

Bar Brasil - Lapa

Bar do Escorrega - Tijuca

Bar Tutuquinha - Tijuca

Café e Bar Confiança - Vila Isabel. Em frente ao velho estádio,

Bar Manhães - Ingá. Templo da americanidade. E fabuloso pastel de feijoada.
Salão América - Tijuca

Salão América - Tijuca




A Presença de São Jorge, Mártir da Capadócia, nos Botequins Cariocas

O mártir da Capadócia que, no comecinho do século IV, mesmo sofrendo torturas inimagináveis, converteu a mulher do imperador que o perseguia, converteu o mago contratadao para acabar com suas forças, matou um dragão para salvar a princesa de Selena (vejam quantas coisas ele fez, só não sei se chegou mesmo à Lua) é presença ubíqua no botequinário carioca. Não há Nossa Senhora ou qualquer outro santo que lhe chegue sequer ao casco do cavalo.

Sua presença mais comum é por meio de estampas e estátuas, estas amiúdes acompanhadas por pequenas oferendas, como um copinho de cerveja, que essa história de matar dragão dá uma sede dos infernos. Mas também o encontrei por aí em pinturas, azulejos,  adesivos e banners. E, claro, sua presença se faz também por meio das espadas-de-são-jorge.


Bar Lavradas - Largo do Piolho

Bar Nota 10 - Ilha da Conceição

Café e Bar Rainha de Engenho Novo - Engenho Novo

Bar e Lanchonete Guaíras - Tijuca

Bar dos Servidores - Saúde

Bilhar Estoril - Praça da Bandeira

Bar dos Mestres - Água Santa

Bar do Clube Português - Ingá

Bar do Bloco Sepulta Carnaval - Engenho de Dentro

Lanches Toquinho - Gávea

Sunday, July 22, 2012

Makaras: anjos-sereias





A esses anjos-sereias que fazem as vezes de mísulas nos púlpitos de duas velhíssimas igrejas goesas dá-se o nome de makaras.

Encontrei-os em apenas duas das tantas igrejas que visitei, porém, embora eu não tenha registrado à época com a acuidade que a descoberta merecia, creio que as duas eram das Big 5, ou seja, ou a Igreja do Espírito Santo (em Velha Goa ou em Margão), ou a de Santana (Talaulim), Piedade (Ilha de Divar) ou a de Santo Estevão (Juá).

É praticamente certo que os primeiros makaras aqui registrados sejam da avoenga Igreja de Santana, pois lembro que quem nos levou lá foi o Óscar Noronha, ele mesmo desconhecedor dessa estranha espécie.

O interessante disso é que anjo é já uma figura híbrida, o mesmo se dando com a sereia. Só Goa mesmo para incorporar os dois numa só figura, o hibridismo, a mestiçagem ao quadrado.

Este post é para a Potira.

Friday, July 20, 2012

Nós (Cegos)




NÓS (CEGOS)

O real é sólido como a maçã
sobre a mesa ao meio-dia
acre como o vinho
esquecido sem rolha sobre o mármore
estridente como o choro do filho
na madrugada o real
são os girassóis enfurecidos do holandês
o real recende
como o cheiro dos corpos quando se amam.

E não o vemos.

Olhos costurados
com linhas e unguentos.
Tirésias às avessas
tememos o futuro

(que tampouco vemos)

Thursday, July 19, 2012

Ilhas (Nós)



ILHAS (NÓS)


Na pele da manhã enevoada
rasga-se longo corte vertical
a desenhar o nosso Tordesilhas.

Dos vértices submersos destas ilhas
(nós) levantam-se mastros pelo sal
corroídos, cujas gáveas destroçadas
já mal se veem: sonhos maltrapilhos.

Cumpre augurar o tempo das partilhas.

Hey Jack Kerouac




Agora que se fala no On the Road, lembro de quem viu o Jack por um outro viés, cutucando-o com vara curta. Ele já partira para outras estradas, é verdade, without saying goodbye, e sei que depois que a onça está morta todos enfiam o dedo no cu dela, mas, mesmo assim, seu legado permanecia, permanece, o filme de Walter Salles prova-o.

O que fizeram os 10,000 Maniacs? Pensaram na mãe do Jack, enquanto ele enchia a cara de álcool e de cannabis. Chatos eles? Discordo. É o jeito de procurar ver os fatos com outras lentes (aqui e nos exemplos seguintes nitidamente feministas), enxergar os fatos menos fatos, dando voz aos silenciados. Assim, em "Eat for two", ao se falar de uma grávida tampouco há louvores à gravidez e em "Gold Rush Brides" a conquista do Oeste é vista sob a ótica das mulheres e seus "accounts of madness, childbirth, loneliness and grief".

Eu fiz o caminho inverso, conhecendo a Natalie antes dos Maniacs e, com estes, conhecendo o ao vivo unplugged antes dos demais, o que tenho por método evitar. O resultado foi devastador: amei a Natalie amei os Maniacs, mas nunca jamas houve disco dela ou deles que me levasse às alturas do MTV Live Unplugged, que dizem as más línguas tratar-se do melhor de todo o ótimo projeto da MTV.

Wednesday, July 18, 2012

Rabo-de-Pavão

Chama-se rabo-de-pavão, mas há quem chame de rabo-de-galo a este belo espécime de azulejo provavelmente da Crecisa e provavelmente do final dos anos 70. Tudo aqui é provável (ainda), já que quase ninguém se interessa por esse tipo de coisa.

O parênteses acima mostra que continuarei pesquisando. Mas não retirá-los não será mal: agrada-me caminhar sobre o fio do provável.

O que é certo é que já o encontrei por aí pelos botecos da vida, em duas cores. No botequim (tristemente agonizante) do Méier não chama tanto atenção, ladeando que está os excepciomais paineis de azulejos e os cobogós. No Encantado, encontrei-os sob um banner da InBev. Quando demonstrei à dona minha alegria pelo achado, ela fez questão de, incontinenti, retirar o feioso plástico! =) E ainda tem gente (como eu) que diz que Deus não existe...


Lanches Toquinho - Horto

Bar Bada - Gávea

Bar Xodó - Encantado

Café e Bar Elite de Buenos Aires - Saara

Lanches Jardim do Méier - Méier

Messe



MESSE


Cato piolhos ao dia
e os devoro.
Sob teto de alvenaria
já não moro.
E mesmo a casa de taipa
jaz no solo.

Há, pois, que habitar espaços
insuspeitos
Mas como abarcar com braços
ar rarefeito?

Agarro com as mãos vazias
o vazio do meu peito.

Tuesday, July 10, 2012

Hoje morreu um poeta


Não foi bem hoje, mas foi tão recente que a mentira passa como comestível.

Gerrit Komrij realizou três de meus sonhos: ser holandês, escrever poesia e ir morar nos Trás-os-Montes.

Segue um poema, na tradução do escritor Fernando Venâncio, meio às avessas do Gerrit em que, nado em Portugal, hoje tem nacionalidade holandesa.

Máscaras

O homem com a máscara brincando
Até chegar a hora em que o seu rosto
Partilhava com ela uma só vida:
Já miúdo a história me punha indisposto.
Negava-me a aceitar. Quando crescesse,
 Ia mostrar que outra maneira havia:
Que cada máscara, sem dor ou risco,
Como um capuz tirar-se podia.
Fiz disso muito tempo um firme credo.
Escondi, confiante, a minha natureza.
Extinto o fulgor do jogo que eu fazia,
Teria ela a original pureza.
Hoje sou velho, só para admitir:
A história é real. A máscara agarrou-se.
É como habituares-te ao inferno.
Como se olhar vazia cova fosse.

Gerrit Komrij (30.03.1944 - 05.07.2012)

O Paio do Submarinista



Para celebrarmos a condecoração que meu pai receberá -- a de submarinista honorário -- fomos almoçar no Bar do Jóia, este que é o botequim mais antigo do Rio em funcionamento. Já conheci alguns submarinistas em minha vida, mas honorário é o primeiro, o que mais que justifica a comemoração.

O Jóia resiste às intempéries do tempo e a intempéries piores, como os altos impostos que o governo cobra para incentivar o pequeno empresário, a especulação, a tendência mudernizante dos botequins e ao Porto Maravilha. Isso, o Bar do Jóia também resiste ao Porto Maravilha.

Para auxiliar a Dona Alaíde, viúva do mítico Jóia, não raro clientes amigos fazem espontaneamente as vezes de garçom, não apenas pegando cerveja no freezer, que isso é mole, mas também servindo os pratos e tirando a mesa de outros clientes. Crowdfunding é isso aí!

Devido às cãs de nossas barbas, optamos por uma dieta frugal, de uma frugalidade trapista: arroz, feijão, paio e ovos. Sunny side up.

PS: Meu pai entrou uma única vez em um submarino. Não espalhem, não deixem a Veja saber.