Tuesday, April 26, 2011

BACAMARTE


Acordo com vontades, musicais e que tais.

Aterrissou aqui em casa nesta manhã pluviosa um UFO. Não veio sozinho, trouxe um Pássaro de Luz e um Smog Alado. E não era Miragem.

Os mais atentos já terão percebido que falo do Bacamarte, desta edição remasterizada comemorativa que saiu faz dois anos. Eu tinha (e tenho!) o trabalho em vinil, da época, um tanto gasto já dadas as centenas de vezes que rodou em minha vitrola. O reencontro com um disco destes causa sempre emoção e alegria: Bacamarte é, para mim, um dos TOP 5 do prog nacional, possivelmente no primeiro posto.

A música do Bacamarte é dinâmica e tensa. Tensão esta mais evidente nos pequenos interlúdios instrumentais, como “Caño” (1:58) e “Controvérsia” (1:59). Mas esta tensão sempre se resolve, e positivamente, seja de uma maneira mais jocosa como no primeiro caso (que, afinal, serve como preparação para a épica “Último Entardecer”), seja de maneira mais beethoveniana como no segundo. Ou seja, não se iludam: as roupas brancas dos integrantes não anunciam esperanças ingênuas de um hippismo tardio, mas talvez (quem sabe?) nos permitam ver mesmo esperanças reais que enfim tínhamos com a Anistia e com a Abertura. Lembremos que o excelente prog espanhol também foi tardio e a causa disso foi um tanto política: o franquismo abotoa o paletó em 76.

A edição que ora tenho em mãos é bonita, mas nos deixa com um gostinho de quero mais. É um belo digipack, luxuoso, com curtos textos do Mário Neto e do Emílio Magnago, gerente comercial da Som Livre. É reproduzido também o encarte original do vinil, com foto em sépia da banda ensaiando no Circo Voador. Mas... não poderia ter mais? Não poderíamos ter mais fotos da época? Não poderíamos ter entrevistas com alguns dos músicos envolvidos e textos mais elucidativos acerca da trajetória da banda? Nenhuma faixa bônus??? Nenhuma gravação ao vivo da época? Sei que as dificuldades de se trabalhar com música de qualidade no Brasil são imensas, mas chateia esse “silêncio” ao passo que lá fora bandas do quarto e quinto escalão (e aqui me refiro a sucesso comercial, não a qualidade) têm edições comemorativas com encartes repletos de fotos, informações e bonus tracks. Se o problema é custo, ora, o fã (como eu) que paga 25 poderia pagar 35 por uma edição mais recheada. Fica aqui o toque, construtivo.

Aos interessados, espero que corram atrás do CD e não de links.

PS: Aquela flauta que se ouve no final de “UFO” é, na verdade, um flautim / piccolo? Alguém sabe dizer? Tenho quase certeza que sim, mas queria uma confirmação.

Tuesday, April 19, 2011

The uglification of the world

"Por toda a parte a música se transformou em ruído. Olha. Estas flores de plástico -- chegam a colocá-las dentro d'água! E olha para aquilo. Aqueles prédios -- the uglification of the world. O único lugar onde ainda se pode encontrar beleza é onde os seus perseguidores esqueceram de atacar. É um processo global, insuportável."


O trecho acima é de um diálogo entre Tereza e Sabina, no livro A Insustentável Leveza do Ser, do Milan Kundera. Elas estão em um restaurante e Sabina pede ao garçom que tire o "barulho" (a música que tocava ao fundo). Como o gerente nega seu pedido (os outros clientes parecem gostar do "barulho", ele replica), elas levantam-se e vão embora.


Traduzi ligeira e livremente, mantendo em inglês o trecho mais interessante por incapacidade de encontrar expressão equivalente em português. Suggestions are welcome. Não sei como é em tcheco, mas em inglês ficou muito bom.


E sábia Sabina. Lembro-me muito bem de uma casa na rua Marechal Jofre, no Grajaú, cuja porta de entrada era emoldurada por belos azulejos amarelos e azuis com motivos florais. Eu adorava aquilo. Quando a casa foi vendida, temi pelos azulejos. Com efeito, foram imediatamente descartados na primeira chance pelos novos proprietários. The uglification of the world.


Andando aqui e ali em busca de casas antigas e interessantes, amiúde deparo-me com isto: belas janelas emparedadas, estuques em gesso castigados e a inevitável e horrorosa esquadria de alumínio. O duro de entender / aceitar é que os belos detalhes já estavam lá. Parece mesmo que o belo e o sensível depertam a cólera. The uglification of the world.




Santa Genoveva, o botequim



Em postagem de 25 de fevereiro tratei da Vila Santa Genoveva, espécie de mini-bairro dentro de São Cristóvão.



Em frente à vila há um botequim do mesmo nome. Afirmar o que veio primeiro é entrar em sofismas ovo-ou-a-galinha, mas creio ter sido a vila, de vez que o boteco, em que pesem seus belos azulejos azuis e amarelos, não deve ser do ano da Revolução Russa.



O ambiente é ótimo. A comida, deliciosa e farta. Last but not least, o pudim tem calda de ameixa. Deixem eu lamber a cria: gostei da foto. Em excursões por botecos, só tiro foto com celular. Daí não troco meu Nokinha N8 por Apple nenhum...

.: Unique India by Potira :.: Bailadeiras, as Devadasis de Goa...

Em uma postagem muito antiga, do início mesmo do blog, publiquei foto em que me encontrava em meio a bailadeiras de um templo em Goa. Na verdade, só fui descobrir serem bailadeiras um tanto depois, já de volta ao Brasil.

Minha colega blogueira Potira caprichou em um post sobre o assunto, usando a minha foto. Vale a pena ler. A ela agradeço.

.: Unique India by Potira :.: Bailadeiras, as Devadasis de Goa...

Wednesday, April 13, 2011

Os Anjinhos Barrocos de São Lourenço dos Índios

Embora pequena, é cheinha de anjinhos barrocos essa igreja de São Lourenço dos Índios, tema do tópico anteriror.

Vejam só que botininhos:






Êpa, e este aqui quem é??? =)


Sunday, April 10, 2011

São Lourenço dos Índios




São dois os Sãos Lourenços de Niterói: o dos Índios e o da Várzea. Quem geralmente vai atrás de uma igreja velha de inestimável valor histórico corre o risco de levar gato por lebre, ficando com a da Várzea, de vez que a dos Índios se esconde na colina que hoje é o bairro homônimo, sendo desconhecida mesmo por taxistas.


Mas levar gato, aqui, não será de todo mal, já que a São Lourenço da Várzea, a igrejona do Barreto, do Ponto Cem Réis, vistosa por sua torre, também tem os seus encantos. A dos Índios é uma senhora quatrocentona, muito bem conservada, que se enche de água de colônia e fica muito na sua na festa dos netinhos. A da Várzea é ainda uma mocetona, ok, uma trintona, que capricha no decote e vai à rua atrair olhares.


Primeiro falamos da dos Índios. O sóbrio exterior trai já sua antiguidade, 1585, no primeiro estilo jesuítico no Brasil, com reconstruções nos dois séculos seguintes. Como as igrejas muito caiadas do Serro (MG), o despojamento externo contrasta com a talha do altar-mor simplesmente estupenda. Ao valor artístico soma-se o histórico: aqui, simplesmente, começou Niterói, neste aldeamento dos índios temiminó.


Houve por aqui um prefeito, em 1915, que a declarou monumento histórico, algo de grande pioneirismo para a época, inda mais vindo de uma classe, a política, que entende é outra linguagem de tombamento, o ponha-se abaixo.


Alexei Bueno escreve, em O Patrimônio Construído, sobre os pisos de tijoleira, com geometrias de origem indígena.... Fui ansioso, na esperança de encontrar uma arte mestiça como a que cativou Serge Gruzinski, um dos grandes teóricos das mestiçagens (O Pensamento Mestiço). Aqui, no entanto, a decepção: o chão parece ter sido bastante danificado em reforma recente! (Alô, Patrimônio!). Como consolo, na sacristia encontro uma série de gravuras originais de Carlos Oswald sobre a Via-Sacra. Um tesouro, não da monta dos azulejos do piso ou mesmo da igreja como um todo, mas ainda um tesouro. Chegam a causar preocupação estas gravuras assim, tão sem segurança, em uma igrejinha de um bairro isolado...


São Lourenço vele por elas, e ameace mal-intencionados com a grelha que traz em sua mão esquerda...

Friday, April 08, 2011

São Cristóvão





Parafraseando Rosa, que disse a respeito de Minas, digo que São Cristóvão tem suas coisas, belas como um copo de ouro.


Como (e com) Gonzaga de Sá, flanamos.

As asas sobre nós




São Paulo tem seu bairro, temos nós nossa rua, pouco conhecida, sinuosa, pequena jóia. Forma e fundo, pois, de mãos dadas.


Quando eu fazia as fotos, uma kombi quase me atropelou. Ela vinha manso, é verdade, mas relato aqui para conferir ao post um tom próximo ao épico, afinal, não vale a pena morrer pela liberdade?


Disse que a rua era sinuosa. Ela, na verdade, parece duas, mas é uma liberdade só. E bem no meio, intereseção, o Edifício Liberdade. Ficção perde.

Sunday, April 03, 2011

José Alencar, herói do Brasil!



Nesta semana que passou a mídia falou muito em José Alencar, o ex-vice que, ao morrer de câncer, virou herói. Deixa ver se entendi: ele lutou pela própria vida e... é herói? Tudo bem, deixa quieto, mas se ele foi / é herói, o que foram Paulo Bandeira, Chico Mendes, Dorothy Stang?


Ah, dirão, mas ele lutou contra a doença mantendo o bom humor!!! Bem, convenhamos que ser atendido pelos melhores médicos do país, no Hospital Sírio-Libanês, e sem ter de se preocupar com a conta (paga com o dinheiro do contribuinte), ajuda um pouco a manter o bom humor, não? Imagina ele tendo que madrugar numa fila de hospital para pegar uma senha para fazer uma sessão de quimio com um médico que o ignora e despreza porque ele é preto e pobre. Meu padrasto, nem tão preto e pobre assim, mas longe de um zéalencar, tratou de seu câncer na Cruz Vermelha. Depois o enxotaram de lá para que ele morrese em Vila Izabel. Entendam que meu padrasto, um homem forte, talvez não tivesse mantido o bom humor heróico do Zé.


Aliás, o herói podia ter feito de sua condição e visibilidade uma bandeira para que se melhorassem os tratamentos e os hospitais de oncologia no Brasil. Fez? Nada. José Alencar, todo mineirices, ficou na dele, quietinho, profissão: vice-presidente, nada fazendo, só curtindo suas heroicidades.


Dizem que ele era contra a política de juros altos, oh, que maravilha. Fez alguma coisa? Não que eu saiba. Talvez tenha comentado que não gostava disso enquanto tomava café da manhã com a patroa. E um pouquinho com a imprensa, mode fazer uma média. Com pão e manteiga.


Por fim: ele não reconheceu uma filha que teve, vejam se isso não é ato pra lá de heróico. Hércules perde. Até Pelé e Edmundo reconheceram, mas José Alencar RECUSOU-SE A FAZER O EXAME DE DNA. De quebra, insinuou que a mulher que pleiteava o reconhecimento era uma prostituta. E se fosse? Ah, Zé, isso me lembra aqueles playboys que roubaram e espancaram uma doméstica no ponto de ônibus e depois, em defesa, alegaram que pensavam que fosse uma prostituta. Ah, Zé. A filha, professora como eu, teve de ouvir isso.


Mas ao menos ela sabe que seu pai foi um herói.

Saturday, April 02, 2011

Serralherias

Se tem coisa para a qual ninguém liga é isto: serralheria. Até se vê aqui e ali alguém elogiando uma bela fachada, uma escultura, a talha de uma igreja, pinturas, mas... objetos ornamentais de ferro? Até hoje só vi uma pessoa apaixonada pelo assunto: Pedro Nava, este juiz-de-forano apaixonado pelo Rio de Janeiro.


Ao tema ele dedicou belos trechos dos seus dois últimos livros de memórias: Galo das Trevas e O Círio Perfeito. Em Galo das Trevas escreveu:

Um belo dia verifiquei que o Rio era a cidade mais rica das que eu conhecia em matéria de serralheria. Aprendi a admirá-las. [...]


No Círio:


"O gosto pelas serralherias do velho Rio nasceu no Egon destes seus itinerários de Santana. Foi um pouco sem intenção, mesmo sem querer é que ele foi se penetrando da beleza e da fantasia dos gradis e dos portões desta freguesia para deixar, depois, sua nova paixão se estender aos antigos ferros dos outras arrabaldes. Esquadrinhou bairros e bairros a procurá-los nas casas do fim do século passado e inícios do atual. Grades mais antigas existiam mas ainda sem desempenho no conjunto arquitetônico e a importância adquirida naquelas duas épocas. O princípio da ideia do Egon era apenas a de olhar e tirar desta contemplação um prazer pessoal e uma ocupação de transeunte de nossas ruas mais veneráveis. Mas depois ele viu a picareta demolindo impiedosamente as casas rendadas de ferro da sua Rio de Janeiro e sua substituição por módulos de cimento armado cuja beleza ainda não foi impregnada nem caprichada pelo tempo e pela morte. Então, por que não guardar? para os maníacos do futuro um pouco da lembrança de nossas grades, gradis, portões, beiras e ornatos metálicos."


Ao Nava dedico estas três fotos, tiradas, respectivamente, na Igreja da Ordem Primeira do Carmo, na Igreja da Ordem Terceira do Carmo, e na Igreja de São Lourenço da Várzea. As duas primeiras são cariocas, e certamente conhecidas por Nava. A de São Lourenço é araribóia. Terá ele conhecido?



Friday, April 01, 2011

Com a licença de Dante



Ganha um prêmio quem conseguir ler jornal e não sentir seus dedos encurvarem-se na ânsia de assassinatos.


A notícia da semana, numa semana de Bolsonaro, foi a das primeiras-damas alagoanas que desviavam dinheiro da merenda escolar para comprar whisky, ração de cachorro, boneca. Algumas escolas chegaram a ficar sem merenda por dez dias porque, é claro, se o dinheiro foi desviado aqui, falta ali. Como muitas dessas crianças, estamos falando do sertão de Alagoas, onde já estive, vivem abaixo da linha da pobreza e só têm a merenda escolar como alimento, infere-se que ESSAS CRIANÇAS PASSARAM FOME AGUDA POR DEZ DIAS.


Digo aguda porque fome já passam, merenda ou não. E já têm seu desenvolvimento físico e mental comprometido para o resto da vida. Mas sentiram a dor da fome, que mingau ralo de farinha com água não resolve, enquanto as primeiras-damas se refestelavam com whisky e seus cachorros com ração.


Não é improvável que, em algumas ocasiões, as cadelas comessem elas a ração e deitassem aos totós o whisky comprado com dinheiro público.


Em sua obra imortal, Dante Alighieri fez com que os ladrões, na sétima vala do Oitavo Círculo, fossem eternamente atormentados por serpentes: eles correm em meio a elas, que os picam. Picados, queimam, são reduzidos a cinzas. E renascem logo em seguida, pois que o sofrimento há-de ser eterno.


Gosto disso. Acho que as vacas de Belo Monte, Craíbas, Estrela de Alagoas, Lagoa da Canoa, Limoeiro de Anadia, Traipu, Poço das Trincheiras, Jacaré dos Homens, ficariam bem sendo picadas por cobras. Eternamente.


Mas, pedidno data venia ao poeta florentino, gostaria de ver as primeiras-damas alagoanas padecendo do sofrimento destinado aos aduladores, qual seja, ficar mergulhado num mar de merda.


Cito a tradução de Cristiano Martins (Inferno, canto XVIII, 112-114):


"E fomos, pois: E vimos, pululante,
gente num mar de fezes mergulhada,
mar às cloacas terrenas semelhante."


Assim queria eu essas primeiras-damas: sempiternamente mergulhadas em fezes. E, claro, com seu copinho de whisky em mãos. Sensíveis que são, avessas ao whisky caubói, teriam elas direito às suas pedrinhas de gelo. Feitas, naturalmente, da substância que as cerca.