Saturday, December 05, 2009

O sogro que não tive


O sogro que não tive era um labrego minhoto farrista. É fácil reconhecê-lo na foto, ele tem nas mãos uma caneca, como Vinícius tinha seu cachorro enlatado.
O sogro que não tive veio dar no Brasil fugindo das insanas guerras coloniais portuguesas. Queria namorar e beber. E trabalhar. Tudo, menos morrer pelo mapa cor-de-rosa idiota do Salazar. O sogro que não tive ganha meu terceiro ponto aí. (O segundo ganhou ao ter a caneca em mãos. O primeiro, por ter tido filha tão linda.)

Este sogro foi rejeitado pela sogra, pirralho e duro que era, mas soube reverter a situação, conquistando o coração da moça.

O sogro que não tive... como teria recebido o genro? Já me perguntei tantas vezes. Com este sogro eu teria feito farras, subido ao terraço de Pendotiba para ver balões (fosse junho), ouvir cigarras (fosse dezembro).
O sogro que não tive foi o pai que mulher e cunhado não tiveram, mas não vejam aqui qualquer tom de crítica, mesmo porque seria tolo (além de minha habitual tolice) criticar um homem que não escolhe (escolhe?) voltar ao verdes prados minhotos que só há no céu e que me traz à mente versos de Drummond que eu julgava esquecidos:
OS MORTOS DE SOBRECASACA
Havia a um canto da sala um álbum de fotografias intoleráveis,
alto de muitos metros e velho de infinitos minutos,
em que todos se debruçavam
na alegria de zombar dos mortos de sobrecasaca.
Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes
e roeu as páginas, as dedicatórias e mesmo a poeira dos retratos.
Só não roeu o imortal soluço da vida que rebentava
que rebentava daquelas páginas.

1 comment:

Nathalia Fernandes said...

Belo texto. Comovente.