Wednesday, December 30, 2009

A Felicidade do Leiteiro ou Não Amarás


Um dos episódios mais perturbadores da monumental obra O Decálogo, do Kieslowski, é o sexto: Não Cometerás Adultério, que depois saiu em filme separado sob o mais apropriado título Não Amarás. O quinto, Não Matarás, também saiu em filme posteriormente, mas aí não foi necessário mudar o nome. Para quem estiver interessado em Kieslowski (pode-se não estar?), é preciso assitir ao filme e ao episódio do Decálogo, de vez que há diferenças entre os dois, principalmente no final.

(Antes de falar do episódio: chamei-o de um dos mais perturbadores, já que O mais, sem dúvida, é o primeiro, tanto que não tenho coragem de rever)

Não vou aqui fazer uma crítica do filme, mas apenas comentar uma cena, que dura pouco mais de trinta segundos: aquela em que o jovem leiteiro corre em alegria incontida puxando atrás de si sua carreta de garrafas de leite.

Esta cena se dá logo após uma outra, dura, quando ele, Tomek, um jovem de 19 anos, trava diálogo com o obejto de sua paixão, Magda, uma mulher mais velha, em seus trinta. Eles estão no corredor do prédio dela. Ela esperou que ele fosse deixar a garrafa de leite para golpeá-lo com a porta. Na noite anterior ele fora agredido por um dos amantes de Magda e está, portanto, com o olho roxo. Ela o humilha, mas está curiosa para saber por que aquele jovem, para ela insignificante, a espia.

- Por que me espia?
- Porque eu te amo. Amo mesmo.
- E o que você quer?
- Não sei.
- Quer me beijar?
- Não.
- Talvez queira ir comigo para cama. Ou melhor, fazer amor comigo?
- Não.
- Então o que quer?
- Nada.
- Nada?
- Nada.

(Ele caminha pelo corredor de cabeça baixa. Depois volta-se e caminha para ela)

- Poderia convidá-la para um café? Ou um sorvete?

Corte.

E a cena, filmada do alto, mostra o garoto Tomek em sua desabalada correria, numa felicidade suprema. Pela primeira e única vez em todo o filme (em sua vida), ele está despido de sua timidez e de seus temores. É um homem apaixonado e, nesta cena, "correspondido". A câmera gira de modo a transmitir-nos um pouco de sua vertigem. Ele esbarra em um homem, a quem, cheio de vida, pede desculpas.
E é só.

Magda, uma mulher experiente e promíscua, não acredita (mais?) em amor. Isso lhe poupa de um bocado de trabalhos e dores e palpitações e esperas e frustrações, não? Sábia Magda, inda que, creio, isso não tenha sido escolha sua. Não se pode decidir que se vai acreditar ou desacreditar em amor. Isso é o que a vida faz com a gente. Mas, retomando, isso impede Magda também de ter aqueles trinta segundos do Tomek...
PS: A foto mostra Tomek, funcionário do correio, e Magda. É que ele trabalhava no correio, apenas para enviar-lhe ordens de pagamento falsas para que ela fosse ao seu local de trabalho. O trabalho de leiteiro também foi apenas para acercar-se dela.
PS2: E o final do filme? Como fica, então, essa questão entre amor inocente e descrença total?

1 comment:

Julia said...

Olha que vou te cobrar a aula hein?!
Eu ameeeei Sonho de uma noite de verão e A megera Domada, nem se fala.
Mas Hamlet...Não estou dizendo que o livro é ruim,veja bem, mas foi muito chato ler.